“67 sonetos para uma Rainha”,
de Álvaro Alves de Faria
e “Terra habitada”, de Montserrat Villar González
Como sempre, uma grande festa de poesia. Desta vez em Coimbra e na Universidade de Salamanca, na Espanha. Em Coimbra, na Livraria Miguel de Carvalho, na parte histórica da cidade. Em Salamanca, na Faculdade de Filologia da Universiade, durante aula de filologia portuguesa, evento que fez parte do XVI Encontro de Poetas Iberoamericano, organizado pelo poeta peruano-espanhol Alfredo Perez Alencart, professor na Universidade de Salamanca. Foram dois lançamentos conjuntos de “67 sonetos para uma Rainha” e de “Terra Habitada”, da poeta espanhola Monteserrat Villar González, tradução para o português do poeta Jorge Fragoso, os dois livros publicados pela Editora Palimage, de Coimbra, da qual o Jorge é o editor. Em Coimbra, eu e Montserrat fomos apresentados pelo poeta Jorge Fragoso e também por Graça Capinha, da Universidade de Coimbra, Em Salamanca, a saudação foi feita pelo professor titular de Filologia Portuguesa, Pedro Serra. Nos dois eventos Montse e eu fizemos leitura de poemas e respondemos a perguntas dos presentes sobre nossos livros. Montserrat Villar González traduziu minha novela “Cartas de abril para Júlia”, que foi publicada na Espanha pela Trilce Ediciones e ainda “Motivos Alheios” e “Resíduos”, para a Linteo Ediciones, na coleção “Poesia”, dirigida pelo poeta espanhol Antonio Colinas.
Álvaro Alves de Faria
TRECHOS DO DISCURSO DO POETA
EM COIMBRA E SALAMANCA:
Não preciso falar da alegria à qual me refiro há tantos anos ao estar em Portugal para lançamento de meus livros. Mas sempre me lembro deste envolvimento com a terra de meus pais, que se deu de maneira definitiva no Encontro Internacional de Poetas, em 1998, na Universidade de Coimbra, convidado que fui por Graça Capinha que me ofereceu sua amizade que prezo e prezarei sempre. Não preciso dizer do que sinto todos os anos com um novo livro. Desta vez, desfruto com muita alegria e com gosto poético especial da companhia da poeta espanhola Montserrat Villar González, que está lançando, também, seu livro “Terra Habitada”, tradução para o Português do poeta Jorge Fragoso, que é proprietário da Editora Palimage, que publica o meu “67 sonetos para uma Rainha”, e “Terra habitada”, de Montserrat. Montserrat já traduziu para o espanhol minha novela “Cartas de Abril para Julila”, lançada na Espanha pela Tricel Ediciones de Salamanca, onde ela vive. E traduziu também, para a Linteo Ediciones, “Motivos Alheios”, de 1983, e “Resíduos”, um pequeno livro de 19 poemas que escrevi na prisão, em 1969, quando fui detido na luta contra a ditadura em meu país. “Resíduos” foi escrito dentro da cela em 1969, mas publicado pela primeira vez somente em 1983, como segunda parte de “Motivos Alheios”. Conto, então, com esse prazer de estar ao lado de Montserrat, que entrou na minha vida de repente e que isso dure para sempre.
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Desta vez não vou falar mal de meu país como costumo fazer. Mal do país, não. Mal de uma situação incontrolável no que diz respeito à corrupção praticada por uma gente desclassificada que está no poder. Nem falarei mal do jornalismo cultural brasileiro, especialmente das grandes capitais, essa mentira de sempre. Vou esquecer por alguns momentos”.
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“67 sonetos para uma Rainha” representou um desafio para mim, porque, ao me dedicar à poesia portuguesa como me dedico há mais de 15 anos, esse é um livro que se fazia necessário. Era como escrever “Portugal” em uma folha de papel e me deixar levar pelos oceanos de minha imaginação sentimental e poética.”
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Os sonetos foram nascendo e de repente me vi falando em decassílabos, tal o meu envolvimento com o livro, no qual eu converso com a Rainha e a Rainha também conversa comigo. E nessa narrativa não esqueci de me situar diante da poesia brasileira em alguns sonetos, dizendo dos descaminhos de uma poesia que, cada vez mais, se afasta da própria poesia. Hoje são poucos os poetas brasileiros que de fato podem ser chamados de poetas.
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Quando dei o livro por terminado senti que tinha em mãos algo que nunca imaginei escrever, porque, no final, os 67 sonetos são resultado de muita leitura de sonetistas de Portugal, dos quais repeti rimas sem saber, embora em um outro contexto poético, já que “67 sonetos” pode ser considerado um livro narrativo, com um tema central, mas seguindo a métrica necessária de escrever o poema, trazendo as palavras do fundo, sem fazer concessão a nenhuma facilidade literária, pelo contrário: Houve fases em que esperei dias para o surgimento de uma única palavra que de fato expressasse o que eu, como poeta, queria dizer”.
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Fazer sonetos no meu país é ser considerado louco por aqueles que dirigem a cultura brasileira, que fazem e desfazem. Por isso, antes de tudo, o livro é uma provocação à mediocridade que reina cada vez mais num país que merecia melhor sorte. Tem gente da crítica literária no Brasil que nem sabe o que é um soneto.
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Acredito que “67 sonetos” é um livro que me extasiou poeticamente do começo ao fim. Começou como tinha de começar e terminou como tinha de terminar. No final, contei os sonetos escritos à mão, como costumo fazer. Deu 67. E nada mais havia a ser escrito e nada havia a ser retirado. Foi um livro com começo, meio e fim. Mas muitos sonetos podem ser lidos de maneira isolada, têm vida própria. No entanto, o conjunto dos poemas foram, sim, uma história que reflete diversas situações poéticas e existenciais.
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A partir deste livro, não sei agora o que vou buscar no que diz respeito à poesia de Portugal. Mas o que vale mesmo é que Portugal mudou completamente meu olhar para a poesia, fazendo-me ficar distantes de vícios que não cabem no poema e, principalmente, fez-me compreender a poesia como vida, e falo vida na acepção mais correta da palavra.
JORGE FRAGOSO, POETA, EDITOR Y TRADUCTOR PORTUGUÉS. SOBRE LOS LIBROS DE ÁLVARO ÁLVES DE FARÍA Y MONTSERRAT VILLAR QUE SE PRESENTARÁN EN EL XVII ENCUENTRO DE POETAS IBEROAMERICANOS
Crear en Salamanca publica dos reflexiones del amigo Jorge Fragoso, editor en Coimbra, buen poeta portugués nacido en Mozambique. La primera, como editor de varios libros de Alves de Faria, entre ellos el último (“67 sonetos para uma Rainha”); la segunda, como traductor (y también editor) del libro “Terra Habitada”, de Montserrat Villar González; ambos libros aparecidos bajo el sello de Palimage. Ambos libros serán presentados en la Facultad de Filología de la Usal, tanto por Fragoso como por el profesor Pedro Serra, de Filología portuguesa, el 14 de este mes (19,00 h. – Aula A12 de Anayita). Como un ejercicio de aprendizaje del idioma hermano, publicamos los dos textos en portugués.
Jorge Fragoso en Salmanca (2013, foto de Jacqueline Alencar)
Ler e editar Álvaro Alves de Faria
Álvaro Alves de Faria en el Fonseca
(2013, foto de Jacqueline Alencar)
Para mim, como editor de Álvaro Alves de Faria, a sua poesia sempre foi, e é, muito clara. Nos múltiplos sentidos da palavra “clara”. Poesia clara no sentido de acessível, legível, compreensível. Clara, também, no sentido de luminosa, muito bela, irradiante. Mesmo se o motivo é triste, ou angustiante, as palavras de Álvaro Alves de Faria parecem revestir-se de um modo único de nos penetrarem a alma e nos levarem ao encantamento.
Se, antes do “caminho português” do poeta Álvaro Alves de Faria, a sua poesia tinha, profunda, uma componente de intervenção política, social, contra a Ditadura que oprime, quando começa a publicar em Portugal encontram-se nas suas palavras extensos diálogos com poetas portugueses, de Camões a Pessoa. Um reencontro das origens de Faria com os seus ascendentes portugueses, e toda uma mundividência poética que parecia latente, adormecida na sua alma, para acordar para uma vida outra, completamente mudada, quer na sua poesia, quer no seu próprio quotidiano. Um facto marcante, que refaz a bússola poética de Álvaro Alves de Faria, foi a sua presença no Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra, em 1992, , a convite de Graça Capinha, organizadora dos Encontros, sua prefaciadora em várias obras e também sua crítica literária.
Uma vida – a do poeta – completamente alterada que continua a produzir os seus melhores frutos: como estes 67 Sonetos para uma Rainha que, para além de um retorno ao clássico puro da estrutura do soneto, constitui ainda, diante dos seu pares brasileiros, uma verdadeira provocação.
Mas, em diálogo franco e descontraído, no Café Santa Cruz, em Coimbra, onde sempre se encontram os amigos de Álvaro, referiu o poeta Xavier Zarco: aqui, em Portugal, a outra terra poética e de sangue e alma do poeta brasileiro, estes sonetos deixam de ser uma provocação para passarem a ser “por vocação”…
E, como escreve Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras: “A diferença entre um poeta e um homem comum é a de que aquele leva a alma nas costas e esse leva as costas na alma. Álvaro Alves de Faria é da primeira estirpe. Marcado pela semente ibérica, que vem de seus pais portugueses, não deixa que o fruto saia longe do pé. Simples, com imagens fortes de amor e solidão, sabe ser melodioso e às vezes tem a dureza da pedra, aquela que se plantou por dentro, através dos ancestrais. Fonético no verso, solidário no sangue, raiz que não morre, desenha este tempo sem tréguas, com olhar sincero de menino. E como se tocadas de música, as imagens, andarilhas como ele, o seguem. Ser poeta é sua maneira de estar no mundo”.
A experiência de tradutor de Montserrat Villar González
O trabalho de tradução deste livro (38 poemas) — Tierra con Nossotros, que se verteu para português como Terra Habitada, resultou da retribuição amiga perante um gesto de simpatia de Montserrat Villar González que foi a oferta que me fez dos seus mais recentes livros, num interessante encontro de Salamanca, em 2013. Logo no início, os poemas deste livro produziram em mim um efeito quase estranho. Uma espécie de proximidade, de identificação com as palavras, aquele sentir que nos provoca o pensamento: “Quem me dera ter sido eu a escrever isto…”.
Não tenho, confesso, formação académica na área da língua castelhana. Mas a mesma proximidade com o idioma, e com o escrever aberto de Montserrat, levou-me a entender, de um modo interior, as suas palavras. Depois, como um impulso, traduzi, como pude, um primeiro poema deste livro premiado, no mesmo ano, no concurso literário SELEER 2013. E enviei a tradução desse único poema a Montserrat. Foi grande a sua emoção, que me contou em lágrimas de alegria. Montserrat Viilar González, enquanto estudante, permaneceu em Coimbra por cerca de um ano, integrada no Programa Erasmus. Apaixonou-se pela cidade, creio que também pela língua, sobretudo pela vivência coimbrã. E revelou, numa visita que fez, no ano passado, à nossa Casa da Escrita de Coimbra, que era um sonho antigo, acalentado de muita esperança, ver um livro seu traduzido em português e publicado em Portugal. Sendo, então, em Coimbra, seria maravilhoso. E eu, (pobre de mim – no que me fui meter) pensei se não poderia ajudar a realizar esse sonho. Aventurava-me na tradução e, como editor, não seria difícil publicar o livro.
Montserrat Villar
Foi uma tarefa demorada, difícil, mas que dava muito prazer a cada poema traduzido, a cada texto concluído. Para além de tradução, concluímos que seria uma versão portuguesa do livro de Montserrat. E eu disse concluímos porque, aqui, surge a âncora que me salvou, a enorme ajuda que constitui o facto de ter a possibilidade de debater com a própria poeta, que fala português, que é professora de literatura portuguesa e que, assim, pôde, de muito perto analisar cada palavra, cada verso, cada ideia que fomos debatendo ao longo de meses, por e-mail, por videoconferência, em dois ou três encontros presenciais.
E fui descobrindo o maravilhoso, duro, terno, profundamente comprometido que é este livro – Terra Habitada. Uma poesia de intervenção social, ecológica, na guerra… um poesia de intervenção que nos toca, às vezes choca, e é um despertar fundo das consciências. Há poemas que nos provocam a raiva, há poemas que nos comovem, sobretudo, todos os poemas nos fazem parar para pensar, reflectir profundamente, e adoptar, talvez, a mesma posição de engajamento, de comprometimento, de luta contra tantas experiências horríveis, ou irónicas, ou profundamente hipócritas com que nos deparamos cada dia, e nos chegam dentro dos olhos através do que nos cerca: basta estar atento, ou ser como Montserrat Villar González que se deixa tocar por uma realidade agreste, e tenta, pela palavra poética, encontrar uma, alguma, qualquer solução…
Foi preciso traduzir este livro para compreender o seu âmago e entrever, talvez, um pouco do pensamento da poeta e a sua posição perante a vida, o seu modo único de “mudar o olhar do mundo”. O que será, provavelmente, a razão maior da escrita poética, o “para que serve”, afinal, a poesia.
Fotos
POETA E MONTSERRAT, AO VENTO, NO CASTELO DE FONSECA, EM SALAMANCA, FOTOGRAFADOS POR JORGE FRAGOSO
A deliciosa sobremesa vencedora do MasterChef
no lançamento do poeta e de Montse em Coimbra
“Bolo de Laranja da Sônia”, que foi servido durante o lançamento de “67 sonetos para uma Rainha”, em Coimbra. Sônia Pontes é minha prima. Formada em Engenharia na Universidade do Porto. Trabalhou como Executiva numa multinacional Italiana, mas sempre se interessou pela culinária, especialmente doces. Uma vez fez para mim um bolo representando da capa do meu livro “Alma Gentil – Raízes”, lançado em São Paulo em 2010, pela Editora Escrituras, reunindo sete livros meus publicados em Portugal até então. Fiquei impressionado em ver a capa livro em forma de um bolo que foi servido numa reunião da casa dos pais dela, o Álvaro e a Lela. Uma maravilha. O “Bolo de Laranja da Sônia” é muito vendido em Portugal e na Espanha. Sônia Pontes, a “Somi”, já teve uma rubrica de culinaria e vai ter um programa de televisão em Portugal.
O bolo representando a capa do livro “Alma Gentil – Raizes”, que a prima do poeta Sónia Pontes, na foto, fez em sua homenagem em um encontro festivo em 2012, na casa de campo de seus pais, Álvaro e Maria Aurélia (Lela) em Ancas, perto de Anadia, que fica há 25 quilômetros de Coimbra.
En la tierra que habitan Montserrat Villar y De Faria crece la palabra
por Jaqueline Alencar Polanco
Ambos escritores dieron a conocer sus últimas obras
La Facultad de Filología, en el Aula A12 del edificio de Anayita, acogió la presentación de los libros “67sonetos para uma Rainha”, del poeta brasileño Álvaro Alves de Faria, y “Terra Habitada”, de la colaboradora de SALAMANCArtv AL DÍA Montserrat Villar González, ambos editados por Palimage Ediciones, casa editorial portuguesa con sede en Coimbra.
Participaron en el acto, que forma parte de la programación general del XVII Encuentro de Poetas Iberoamericanos, los profesores Hugo Milhanas Machado y Pedro Serra, con las presentaciones generales, para posteriormente ceder la palabra al poeta y editor de los dos libros Jorge Fragoso, quien inicialmente habló sobre [Img #127844]la poesía de Alves de Faria, de quien dijo que “su poesía fue y es clara, en los múltiples sentidos de la palabra, es legible, luminosa, incluso cuando el motivo es triste. Nos penetra en el alma y nos lleva al encantamiento”. Además, comentó que Alves “fue un poeta de los años 60 cuya poesía tenía por entonces un componente social, político, contra la dictadura, pero que más tarde, a partir de 1998, empezó a escribir una poesía como la que se hace en Portugal, una vez que se reencontró con sus ancestros portugueses”.
Fragoso, con mucho entusiasmo también, habló sobre el proceso de traducción que hizo de los poemas de la salmantina Montserrat Villar, ya que la lectura de los mismos le habían producido “un efecto extraño, de proximidad, como si los hubiera escrito yo mismo. Proximidad con el idioma y el escribir abierto de Montserrat, me llevaron a traducir un primer poema que inició todo el proceso de traducción del libro”. “Fue una tarea difícil pero que me dio mucho placer. Decidimos que sería una versión portuguesa y fui descubriendo lo maravilloso, tierno, comprometido… Es una poesía que nos lleva a reflexionar y adoptar una posición de compromiso frente a las circunstancias de hipocresía que nos envuelven”. Por su parte, el poeta Alves de Faria, antes de leer algunos de sus sonetos, comentó: “Este libro ha sido una prueba que dice de mi vida, de mi poesía, escrita en medio de las circunstancias de un país sin rumbo”. Y Motserrat Villar resaltó que “este libro surge de la necesidad de escribir de la realidad, de lo que pasa día a día. De la pregunta ¿qué estamos haciendo aquí?, pues este mundo es desastroso por nuestra culpa”. Realmente fue un deleite sentir el hermanamiento del español y el portugués escuchando los versos de estos dos poetas en los recintos de la Universidad de Salamanca.
Jaqueline Alencar