Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

O Sermão / Aline Bernar

O SERMÃO DO VIADUTO DE ÁLVARO ALVES DE FARIA:
LIVRO DE ALINE BERNAR

Infelizmente não pude comparecer ao lançamento da Aline Bernar, no Rio de Janeiro, por motivos alheios à minha vontade. Nem sempre, infelizmente, as coisas são como a gente deseja. Era impossível para mim, diante de um cenário particular desfavorável e também triste. Dessas coisas que a mim têm um poder avassalador. Não consegui comparecer. Mas eu estava lá, ao lado da Aline, mulher de seu tempo que, de repente, leu meus poemas e por eles se interessou. Não fui por falta de condições materiais, psicológicas, espirituais, todas essas coisas que tecem a vida das pessoas.

Mas o lançamento desse livro representa, par mim, uma das coisas mais importantes que tive na vida, no que diz respeito à literatura e fora dela. Dessas coisas quase inacreditáveis de acontecer. Felizmente ainda existem pessoas como Aline. Nem tudo se perdeu.

Foi um belo lançamento na Livraria DaConde + Arte, no Rio de Janeiro: “O Sermão do Viaduto de Álvaro Alves de Faria”, de Aline Bernar, com posfácio de Nelly Novaes Coelho, publicação da Escrituras Editora. Aline conheceu o meu “O Sermão do Viaduto” e afirma ter sido amor à primeira vista. Começou, então, um belíssimo trabalho sobre o livro, como currículo de doutorado em Letras, na Universidade de Coimbra.

Nada acontece por acaso. Há três anos, estando em Coimbra, alguém me disse: “Uma brasileira está escrevendo um estudo sobre um livro seu”. Pedi então aos meus amigos de Coimbra que descobrissem isso para mim.

Não demorou muito Aline me enviou um e-mail. A seguir, enviou-me parte do trabalho que havia sido publicada em “Linguagem em (Re)vista”, número 6 e 7, de Niterói, periódico acadêmico semestral destinado à expansão e socialização de pesquisas inscritas no âmbito de estudos da linguagem.

Ao ler tudo aquilo que Aline escreveu sobre O Sermão do Viaduto senti que alguma coisa, afinal, valera a pena. Lembrei-me dos anos 60. Meu primeiro livro adolescente, “Noturno maior”, escrito ouvindo Chopin. Depois “Tempo final”. Depois O Sermão do Viaduto. No Viaduto do Chá, acredito, determinei meu destino como poeta, os poemas sociais que habitam grande parte de minha obra literária, nos romances e também nos poemas.

A seguir, Aline me enviou o trabalho inteiro. Neste mundo de total brutalidade em que vivemos, especialmente no Brasil – um país que vive de suas mentiras, de políticos quase todos promíscuos, seja qual for o partido – fiquei perplexo diante da generosidade de uma pessoa que eu sequer conhecia, uma pessoa que descobriu meu livro e que trabalhou nos seus versos, no seu discurso com linguagem bíblica.

Surgiu, então, a idéia de fazer o livro, que Aline concordou. O editor e poeta Raimundo Gadelha aceitou o original. Tantos anos depois, dei a forma final aos poemas de O Sermão do Viaduto.

Como explicar esse gesto de Aline, senão com uma lágrima nos olhos ? Não se trata de uma imagem poética. Não. É minha verdade, aquela que vem do fundo. Diante de uma mulher assim tenho que oferecer a minha palavra mais sincera, aquela que nasce na alma, no vermelho da alma, no vermelho mais profundo da alma.

Por isso tudo, por Aline, este livro é tão importante para minha vida, especialmente agora, num tempo bárbaro. É o segundo livro sobre mim. O primeiro foi “Os Melhores Poema de Álvaro Alves de Faria”, ´(Editora Gobal, 2008) de meu amigo poeta Carlos Felipe Moisés. Agora Patrícia Cicarelli escreve outro, que deverá sair no ano que vem.

Será  que eu mereço tudo isso ? Eu que não me considero mais um poeta brasileiro, que fui buscar minha vida em Portugal, terra de meus pais. Aquele país que me encanta em tudo que me mostra. Fugi para Portugal, confesso com tristeza, porque cansei das mazelas deste país em que nasci, na rua Frei Caneca, em São Paulo, num tempo em que as casas tinham janelas azuis e um jardim na frente.

Depois a angústia de caminhar, desde criança cavoucando a terra, jardineiro aos 12 anos, operário numa fábrica de canetas aos 14, a seguir contínuo no Correio Paulistano, na rua Líbero Badaró, jornal extinto pouco tempo depois. Nele eu conheci alguns poetas da época. Depois os Diários Associados. Era uma batalha, trabalhar durante o dia, estudar à noite e participar de organizações que viviam na clandestinidade. Foi o melhor tempo de minha vida. E ao escrever tudo isto agora, por causa do livro da Aline, eu choro. Não há porque não dizer. Choro comovido em mim.

A poesia serve para quê ? Meu primeiro poema aos 11 anos. Um poema escrito para meu cachorro, com todas as rimas em “ar” e “ão”. Depois a dor, a dor que de mim nunca mais se afastaria. Mas existia a poesia. Acredito que ainda exista na voz de tantos poetas brasileiros que respeito.

Aline, você talvez não saiba o significado deste livro para mim, sobre um jovem de 20 anos que foi para a rua gritar o que ainda não entendia do mundo e das pessoas. Mas tudo é um aprendizado. Tudo. A dor. A alegria. Os infortúnios. Os pressentimentos. Não sei, sinceramente, se sou merecedor de tudo que você escreveu. Não sei. Mas o livro existe, os poemas do Sermão existem, o Viaduto do Chá dos suicidas ainda existe. Quase todo mundo se suicidava lá. Eu também comecei o meu suicídio diário talvez no Viaduto do Chá, com uma palavra poética na boca, uma faca, um pingo de sangue.

Para concluir, querida Aline, coloco aqui o que Affonso Romano de Sant´Anna escreveu para sair na quarta-capa de “Alma Gentil”, reunião de todos os meus livros publicados em Portugal, que será publicado no ano que vem. Palavras que me fazem sentir orgulho: “Álvaro Alves de Faria, pelo seu lirismo, talvez seja o mais português dos poetas brasileiros”.

 

***

 

O livro de Aline Bernar abre com este texto assinado por mim:

O SERMÃO DO VIADUTO: DA IDÉIA À REALIZAÇÃO

 Os poemas de O Sermão do Viaduto foram escritos logo depois do golpe militar de 31 de Março de 1964, com uma linguagem influenciada especialmente nas narrativas bíblicas, que muito me impressionaram na adolescência.

O Sermão do Viaduto constituiu, na época, o início do movimento de recitais públicos de poesia em São Paulo. Os poemas foram todos escritos em tom discursivo e o lançamento do livro foi planejado e realizado, por mim, no Viaduto do Chá que era, nos anos 60, o cartão-postal da cidade.

Para o lançamento de O Sermão do Viaduto, no Viaduto do Chá, convidei os jovens poetas de São Paulo de então. Eu não pertencia a nenhum grupo poético, como não pertenço até hoje. Sou um poeta da Geração 60 de São Paulo.

Os poetas convidados para lançamento de O Sermão do Viaduto leram um ou dois poemas cada um. Como autor do livro e da iniciativa de lançar O Sermão do Viaduto no Viaduto do Chá, coube a mim a maior parte da leitura na noite de 22 de abril de 1965, data também planejada, por ser o dia em que se comemora o descobrimento do Brasil. Na verdade, a data foi escolhida como uma espécie de deboche e irreverência.

Depois do lançamento de O Sermão do Viaduto, no Viaduto do Chá, unindo os poemas ao local escolhido por mim para o lançamento do livro, realizei no Viaduto do Chá, sozinho, mais nove recitais públicos de poesia com os poemas de O Sermão do Viaduto, com microfone e quatro alto-falantes.

Foram nove recitais e cinco prisões pelo Dops, acusado de subversivo. Os recitais de O Sermão do Viaduto foram proibidos definitivamente pelo Dops na noite de 9 de agosto de 1966, quando ocorreu a quinta e a mais dramática das prisões que sofri por dizer, no Viaduto, poemas que foram considerados subversivos.

O lançamento e os recitais de O Sermão do Viaduto foram realizados no calçadão diante do prédio que pertencia à família Matarazzo, na esquina do Viaduto do Chá com a rua Libero Badaró, no centro velho de São Paulo.

Foi uma iniciativa própria, pessoal, com poemas escritos em linguagem bíblica, não religiosa, dando ao livro o nome O Sermão do Viaduto levando em conta o Viaduto do Chá, onde idealizei e realizei o seu lançamento. Era um discurso público. Uma espécie de comício poético num tempo que começava a revelar as sombras que estavam por vir, a ditadura que se instalou no país e endureceu com a edição do Ato Institucional número 5, que entrou em vigor no dia 13 em dezembro de 1968.

Tenho dois agradecimentos a fazer: a Aline Bernar, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que escreveu este estudo de doutoramento junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Portugal, sob orientação da professora doutora Graça Capinha, desenvolvendo o tema: “As vertentes de uma expressão poética no poeta Álvaro Alves de Faria”, tendo como base O Sermão do Viaduto, trabalho que recebeu o título “Álvaro Alves de Faria e seu Sermão: do Viaduto para o Mundo”, concluído em maio de 2006.

E também a ensaísta e crítica literária, Nelly Novaes Coelho, Doutora em Letras, Livre-Docente e Titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que assina o posfácio desta edição especial de O Sermão do Viaduto. Nelly que acompanha a realização de minha poesia desde minha adolescência, presença sempre marcante em minha trajetória poética à qual, com sua ajuda, sempre dediquei minha dignidade de homem e poeta.

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