Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

CRAVOS VERMELHOS

E ontem ao chegar a casa esperava-me este belíssimo livro de poemas do meu querido amigo Álvaro Alves de Faria:

Que agora
se revele
a farda
do povo
é a pele.

25 de Abril em pleno. Obrigado querido Álvaro.

Inês Pedrosa,
Romancista portuguesa

REVOLUÇÃO DOS CRAVOS.
O FIM DA DITADURA
DE 48 ANOS EM PORTUGAL

DEPOIMENTO DO POETA
ÁLVARO ALVES DE FARIA

Em Portugal, 25 de abril significa o Dia da Liberdade. O dia em que os cravos vermelhos venceram os fuzis dos soldados e oficiais que saíram às ruas para combater o movimento do povo e, por fim, passaram para o lado dos revoltosos contra a ditadura que começou em 1926. Autoritária, tornou-se fascista com a ascensão de António de Oliveira Salazar, que assumiu em 1932 e mudou a Constituição portuguesa em 1933. Era uma época de grave crise econômica do país, além das guerras de Portugal contra os países colonizados na África, que os próprios oficiais das tropas e a sociedade não aceitavam. Mas chegou o dia 25 de Abril de 1974. Nas ruas, a população pedindo liberdade em manifestações pacíficas. E aí surgiram os cravos vermelhos colocados por mulheres e crianças na ponta dos fuzis. Momento inesquecível para o mundo. Os soldados colocam as armas no chão num grande abraço que fez retornar as liberdades civis e democráticas e a reconquista dos direitos do povo. Um movimento civil-militar que derrubou Marcelo Caetano, que havia sucedido Salazar. Quando o povo canta, o povo está feliz. Eu mesmo tenho um fato familiar da ditadura de Portugal na figura de um tio, preso em Famalicão de Anadia. Faleceu numa prisão em Lisboa. Quando preso, morreu-lhe um filho, ainda menino, 13 anos. A ditadura deu-lhe autorização de comparecer ao enterro, mas teria de ir algemado e sob escolta. Meu tio não aceitou. E não viu o enterro do filho. Deixo de colocar nomes e datas aqui por pedido da família. Algum tempo depois meu pai, Álvaro, nascido em Mobito, Angola, e minha mãe, Lucília, nascida em Anadia, deixaram Portugal, o que me fez nascer no Brasil. Esse era o cenário. Os cravos vermelhos tornaram-se o símbolo da luta, numa alegria contagiante que encantou o mundo ao som da canção “Grândula, Vila Morena”, de Zeca Afonso, um hino à liberdade e à conquista da terra da fraternidade.  Este livro de poemas, “Cravos Vermelhos”, tem o Brasil escondido nas palavras, a esperar seus cravos vermelhos, sempre acuado pelas forças mais retrógadas e corruptas que envolvem toda sua história. Os cravos vermelhos estão sendo plantados contra os inimigos da Pátria que fazem e desfazem sem que nada aconteça a ninguém, falsos líderes da mentira, quase todos envolvidos num conluio indecente. “Cravos Vermelhos” é a contribuição e o respeito de um poeta brasileiro, de família portuguesa, que escreveu o que lhe diz a palavra da liberdade. É preciso dizer não a todas as ditaduras, de esquerda, de direita, de centro. E ainda existem ditaduras com mais de meio século. A pessoa nasce na ditadura e morre na ditadura, não conheceu a vida livre. Há de ser um governo do povo, pelo povo e para o povo. Um dos principais poetas do Romantismo brasileiro, o abolicionista Castro Alves, escreveu que a praça é do povo como o céu é do condor. Que floresçam os cravos vermelhos. Que nos deem a liberdade de dizer e pensar em favor de uma Pátria livre em que o povo possa viver.

 

Álvaro Alves de Faria
Abril. 2024

Capa de “Cravos Vermelhos” lançado em Portugal, realizada pela artista-plástica
Mafalda Maia, da equipe de funcionários da Editora Palimage, de Coimbra.

CANTANDO A ESPERANÇA

Poeta e editor Jorge Fragoso, Editora Palimage de Coimbra,
em companhia de Álvaro

Álvaro Alves de Faria e o escritor e editor da Palimage de Coimbra, Jorge Fragoso.

Num momento indeterminado, algures no tempo próximo deste ano em se comemora o 50º Aniversário do 25 de Abril de 1974, chegou à Palimage a proposta de edição de um livro de poesia – Cravos Vermelhos –  de um Autor brasileiro – Álvaro Alves de Faria.
O Poeta, também ele resistente de primeira linha à ditadura brasileira que durou de 1964 a 1985, sentiu a proximidade da sua condição de militante da Liberdade ao que no 25 de Abril de 1974, em Portugal, deitava por terra uma ditadura fascista de 48 anos.
E 50 Anos depois, escreve um livro em que exorta, logo de início, a que o povo português resista a essa mesma ditadura feita de agravos e silêncios, de prisões e de fome, de encerramento de Portugal ao mundo. Ao mesmo tempo, uma guerra em África ceifava vidas e destinos, uma guerra injusta e sem sentido.
O Poeta vagueia nas suas palavras de beleza lírica por muito anos da ditadura portuguesa sempre cantando a esperança de um povo que quer retomar o País para os braços da libertação da palavra dita – anulando a Censura a toda e qualquer manifestação artística que ousasse a mínima crítica do regime imposto pelos ditadores Salazar e Caetano.
Cai-te nos olhos o brilho do Sol / para veres tua terra como nunca viste.
Só estes dois versos com que inicia o livro, Álvaro Alves de Faria, mesmo do outro lado mar, adivinha, constata com enorme acuidade o sofrimento de um povo que lutava contra a imposição de uma vida rastejando na pobreza, enquanto os grandes capitalistas gozavam o favores de uma política sujeita a eles e para eles construída.
O poemas do Poeta arrasam os tiranos, numa denúncia que, de igual modo no seu país, condenava um povo inteiro à miséria existencial, cultural e política.
Mas Álvaro Alves de Faria incita e encoraja o Povo Português com as suas palavras de resistência activa ao longo de todo o livro.
É uma obra de uma beleza comovente e, ao mesmo tempo de uma clamar pela alegria e pela Liberdade que todo o povo merece e pela Liberdade luta incessantemente.
Portugal está no âmago deste belo livro – Cravos Vermelhos – do qual as citações contra o fascismo e a ditadura poderiam ser imensas.
Mas é um sentimento do conjunto completo das suas palavras que nos leva a pensar e questionar como foi possível que o mando ditatorial de alguns pôde subjugar a vida de tantos, de um povo inteiro durante tanto tempo. Quarenta e oito anos de silêncio / não são quarenta e oito dias, / mas uma vida inteira sem tua palavra, / a que poderás agora dizer.
Página a página, o Poeta transporta-nos, ao mesmo tempo, para uma memória do que foi a História desse quase meio século de ditadura, e para o “outro” meio século de liberdade, de podermos cantar e gritar tudo quanto nos estava na alma, calada à força, e solta depois pela acção do Capitães de Abril de derrubaram um satus quo odioso, numa madrugada de Abril que chamou o Povo para a rua num apoio inequívoco e sem reservas à Revolução dos Cravos, dados por uma mulher do Povo aos soldados que os colocaram nos canos das suas armas.
Finalmente, nessa madrugada, mudou-se completamente a vida de milhões de pessoas, um povo inteiro faminto de ver crescer um futuro risonho de Liberdade e do fim de uma Guerra Colonial que a tantos jovens ceifou a vida – Portugueses e Africanos.
É a este Povo Português que Álvaro Alves de Faria, Poeta brasileiro, combatente da Liberdade e filho de Pais portugueses, presta a sua sentida homenagem.
E foi, para a Palimage, a forma feliz de participar nas múltiplas comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril em Portugal.

APELO DRAMÁTICO

Poeta e editora
Thereza Christina Rocque da Motta
Editora Ibis Libris, Rio de Janeiro

Cravos vermelhos, de Álvaro Alves de Faria, contém um apelo dramático por ter sido escrito pelo poeta brasileiro mais familiarizado com a história, a literatura e a cultura portuguesas, além de ser filho de pais nascidos em Portugal. As suas raízes estão inseridas nesse solo e, por isso mesmo, imerso no sentimento de sua pátria ancestral.

Com esse impulso, Álvaro Alves de Faria escreveu os poemas de Cravos vermelhos, que recebi como um clamor, um chamamento ao país de irmãos, que reconstruíram seu sentido histórico, a partir do movimento revolucionário de 25 de abril de 1974.
A Ibis Libris Editora, ao publicar este livro, colocou-se à frente das editoras brasileiras, publicando este registro único sobre a Revolução dos Cravos, e a voz do poeta Álvaro Alves de Faria deu ainda mais valor a este canto.

 

Thereza Christina Rocque da Motta
Ibis Libris Editora
Rio de Janeiro

POEMAS

1

Não fique o povo
a esperar sempre
esse dia que nunca chega,
essa espera de todo dia
em que o fim
dessa espera
um dia despertará.

Que não fique o povo
à espera do que não vem,
essa promessa de sempre
que nunca se cumpre.

Não fique esse povo
com as mãos cortadas nos pulsos,
seja o contrário do contrário,
o que não se compreende mais,
o que passa do tempo
guardado nos relógios,
o contrário do contrário,
onde a navalha afunda a lâmina
e traz o povo para rua,
no silêncio das calçadas
marcando os minutos de cada minuto,
a hora de cada hora,
o dia de cada dia.

É preciso calar todas as palavras
e fazer com que se calem nos gabinetes
ou se enforquem nas gravatas,
porque o tempo já passou
e a espera não espera mais.

Eles esquecem o povo
que calado permanece esquecido
a esperar por esse tempo
o que sempre lhe é devido.

O que do povo se tira
ao povo deve ser devolvido.
para que seja a vida mais serena,
a vida é o povo quem move,
o povo é quem mais ordena.

 

2

Toma teu copo de água
e bebe à tua sede
essa que escondeste sem poder dizer,
toma toda a água e diz agora o que nunca disseste
e quando tentaste amarraram-te as mãos
e na boca colaram-te uma mordaça
que tuas palavras morreram
e nunca mais quiseste ver o entardecer,
nem nunca mais caminhaste teu caminho
pensando ser livre
se livre não eras.

Mas chega a hora
em que o entardecer se atira
no abismo que deixa a marca do sempre,
essa que escurece na pele a bala que mata,
o fuzil que se ergue e atira.

Então o povo fecha a porta,
a vida já não é nada
senão o espaço que se fecha
no que não é mais.

Sempre chega esse dia em que os que mandam
na tua vida deixarão de mandar,
porque o povo se faz ouvir
e pára os tanques nas ruas
e cala os fuzis.

A princípio não compreendes.
mas ao tomares tua água
por direito de teu suor,
acordarás em ti mesmo
e saberás que o tempo é outro,
porque mandarás na tua vida
para viver como quiseres,
andarás com teu filho e tua mulher,
a saber que as praças estão livres
para dizer a ti mesmo
que o país está vivo a te pertencer.

 

3

Cai-te nos olhos o brilho do Sol
para veres tua terra como nunca viste.
Quarenta e oito anos de silêncio
não são quarenta e oito dias,
mas uma vida inteira sem tua palavra,
a que poderás agora dizer.

Os tiranos passam,
não duram para sempre,
mas a Pátria fica porque pertence ao povo
que nela ergue a vida,
o povo das aldeias, das vilas, das cidades.

Cai-te nos olhos o brilho do Sol
para que vejas melhor como nunca viste,
e sintas
como nunca nada sentiste.

 

7

O povo sempre haverá de cantar
nos entardeceres
porque os entardeceres
ao povo pertencem
como pertence ao povo
a Pátria ferida
e haverá de ser da Pátria
e a liberdade de voar.

Guarda a espada
que tens no peito
e parte na pedra,
depois atravessa lado a lado
o corpo de teu inimigo
e deixa a seguir
que a vida aconteça,
mas nunca deixes
que nada se esqueça.

 

8

Depois a liberdade entra no quarto
quando abrires a janela
para ver os amigos nas ruas.

Depois olha a liberdade de asas abertas,
essa liberdade que voa sobre os telhados das casas
a observar a mulher tirando água do poço
com a corda gasta no tempo
e o balde que guarda as histórias.

Depois abre a casa quando clarear o dia
e deixa que tua chuva regue a tua horta.

Depois chama a liberdade para tomar café à mesa
e com ela no teu quintal
te digas um homem livre.

Depois será preciso defendê-la sempre,
a saber que cuidar dessa liberdade vale a vida
e o preço que a vida tem.

Depois bendigas a vida por viver
no teu trabalho de todos os dias
para colher o que plantaste.

 

18

Um cravo vermelho na ponta do fuzil
é um poema
como um cravo vermelho na ponta do fuzil.

Assim como se estivesse nascendo uma flor
no lugar da pólvora e da bala
a decorar as ruas todas entre os tanques
e os soldados com uma ordem a cumprir.

Dentro das armas que matam,
olham-se fardados
com a missão de fazer o sangue correr,
sentem os dedos trêmulos junto aos gatilhos,
os tanques parados diante do povo
que ali espera a Nação livre.

Nada a dizer
nada a escrever
nada a cantar.

Homens tristes, as mulheres portuguesas,
mulheres tristes, as crianças das aldeias.
até que o cravo
fechou a boca das armas
como o vermelho da música do  povo.

O cravo vermelho a fazer o país se libertar,
a abraçar a liberdade,
assim abraça a vida
no sempre do agora,
o sempre que sopra
pelos oceanos as águas em que lavas
as feridas abertas.

 

23

É tempo de abrir a janela,
abrir um novo tempo:
o abril se abriu.

Há lá fora um vento forte
batendo nas portas antes fechadas,
agora abertas para as ruas e as praças.

O tiro que não era,
o tiro que não foi,
o tiro que não dera
tão longe desse espanto,
na alegria da tua vida
cantada no teu canto,
assim como a memória fez,
a canção do povo
no canto português.

A alma é pequena,
mas sempre valerá a pena,
foram-se as embarcações naufragadas,
o mar é grande,
mas pequeno ainda para viver
as vidas no silêncio mergulhadas.

Vale a pena viver,
viver vale a pena,
essa face cheia de marcas,
rude a sina vivida,
rude a mão que agride e atira e fere,
tão rude caminho seguido,
a tez riscada no rosto,
a que está na fachada dos prédios,
agora livre dos infortúnios
a começar tudo de novo.

 

26

A canção que anuncia o novo tempo,
essa que canta o povo nas ruas,
na voz das moças nas tunas como um soluço
e nas cordas as guitarras
na hora dos que morreram aflitos
aflitas palavras aflito aceno
a planta aflita que chora
aflitas fitas da universidade
o afeto que prende o afeto
na trama dos anos desfeito.

Na voz das das mulheres de xales
a cobrir os ombros,
o tempo não espera mais
porque tem de ser agora,
o instante que chega
a marcar a hora.

Eis a tropa em cavalos
para afastar os que cansaram
e querem plantar outros destinos
para ganhar o tempo que se perdeu
obedientes às ordens
dos invasores do poder.

Mas quem ordena é o povo
que constrói as casas, os quintais,
as ruas, as praças, as igrejas,
que lapidam as pedras
para os anéis dos nobres.

Não espera pela volta do tempo
porque os relógios foram destruídos
e os pulsos se fecharam na dor do instante
como a cabeça a desfazer-se
num sonho livre que nunca existiu.

O tempo que se parte
no rancor das peras que caem,
esse gosto amargo
que se carrega na boca,
esse corte que se abre
no rosto marcado.

O povo tem o que tem por direito
o que lhe foi sempre perdido,
fez-se o que tinha de ser feito,
a terra da fraternidade
a bater dentro do peito.

 

35

Chega sempre o dia em que o povo cobra
o que deixou de viver o que lhe cabia,
passou a vida em silêncio
sem nunca ouvir a palavra Democracia
ou sentir o gosto de ser livre.

Deem-me de volta o que tenho por direito,
o que perdi por não poder sequer pensar,
quero de volta o que às vezes sonhava.

Quero de volta minha palavra,
a que não disse por que tive medo,
por mais não ter quero de volta
todas as palavras que deixei de dizer.

Chega sempre o dia em que o povo
exige de volta sua dignidade,
que os tempos agora são ouros,
ontem foi outro dia
e hoje é o amanhã
nesse voo livre.

As manhãs de Portugal
são diferentes de outras manhãs,
assim como sempre a cumprir
o tempo do que se liberta,
a nova terra a descobrir.

PROGRAMA BEM VIVER

‘Grândola, Vila Morena’: como uma música se tornou ‘senha’ da Revolução dos Cravos, em Portugal

Há 50 anos, país europeu encerrava ditadura salazarista que estava no poder havia mais de quatro décadas
Lucas Weber

José Afonso escrevendo em Roma - Francisco Fanhais/Associação José Afonso

Nas primeiras horas do dia 25 de abril de 1974 forças armadas progressistas derrubaram a ditadura salazarista que governou Portugal por mais de quatro décadas. O movimento conhecido como Revolução dos Cravos não apenas instituiu a democracia no país, mas também levou à independência de ex-colônias na África – cujas lutas de independência foram cruciais para que ela ocorresse – e deu esperança para povos que ainda ansiavam por liberdade, como o nosso. O Brasil de Fato preparou algumas reportagens para contar a história e marcar o aniversário de 50 anos da Revolução dos Cravos. Clique aqui para acessá-las.

Por todo mundo, processos revolucionários são associados a músicas e artistas. No Brasil, por exemplo, a simples citação dos versos “vem vamos embora, esperar não é saber” já é o suficiente para associar com os movimentos de resistência e combate à ditadura militar.

No entanto, Portugal tem um caso particular. Na opinião do historiador Ivan Lima, a Revolução dos Cravos é um exemplo único.

Este 25 de abril marcam 50 anos do início do processo revolucionário, que teve como “senha” de mobilização a canção Grândola, Vila Morena, composição de José Afonso.

“Ele virou o grande símbolo da composição portuguesa, foi preso várias vezes. E é com a música de José Afonso que se desenha de fato, que se executa o processo revolucionário. Foi decidido um mês antes da revolução, numa apresentação do Coliseu de Lisboa, que a canção Grândola Vila Morena, uma marcha lentejana gravada em 1971, seria a senha revolucionária”, explica Ivan Lima, em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (25).

Em 25 de abril de 1974 forças armadas progressistas derrubaram a ditadura salazarista que estava no poder em Portugal por mais de quatro décadas. O movimento conhecido como Revolução dos Cravos não apenas instituiu a democracia no país, mas também levou à independência de ex-colônias na África.

Morando em Portugal há anos, Lima é doutorando em História Contemporânea na Universidade do Porto e atua no Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM).

“Ele [José Afonso] seria o nosso Chico Buarque”, compara o historiador com uma ponderação.

“Os cantores de protesto no Brasil não tiveram uma ligação massiva com os movimentos sociais. Isso é muito importante a gente frisar. Porque uma coisa é você fazer música para o povo, outra é fazer música para o povo, com o povo, dentro do povo, sabe?”, defende.

Lima é dono da página música O que cresci ouvindo, onde compartilha histórias, análises, além de entrevistas com importantes figuras da música, principalmente, brasileira.

Salazarismo

O salazarismo foi o regime ditatorial de caráter conservador que estava no comando de Portugal entre 1933 e 1974, tendo em António Salazar seu grande líder.
António Salazar foi o líder da ditadura conhecida como Estado Novo. Governou Portugal, de 1933 a 1968, e foi afastado por problemas de saúde.*

salazarismo foi o regime ditatorial que existiu em Portugal, entre 1933 e 1974, e é conhecido também como Estado Novo. O uso do termo “salazarismo” deve-se a António de Oliveira Salazar, chefe de governo de Portugal entre 1933 e 1968. Foi a ascensão de Salazar que iniciou o período conhecido como Estado Novo. Essa fase ditatorial da história portuguesa teve fim quando a Revolução dos Cravos restaurou a democracia em Portugal.

Antecedentes históricos

Até 1910, Portugal era uma monarquia constitucional, mas uma revolta transformou o país em uma república. Esse foi o início da Primeira República Portuguesa, um período bastante conturbado da história portuguesa que ficou marcado por diversos problemas econômicos e políticos — esses problemas foram agravados quando o país envolveu-se com a Primeira Guerra Mundial.

Esses problemas políticos e econômicos fizeram com que um discurso conservador com viés autoritário ganhasse força no país. O resultado do fortalecimento desse discurso foi um golpe militar realizado em 28 de maio de 1926. Com esse golpe, foi iniciado o regime ditatorial chamado Ditadura Nacional. Alguns historiadores entendem a Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo (1933-1974) como o mesmo regime.

Durante esse primeiro regime, António Salazar foi indicado para ocupar a chefia do Ministério das Finanças. Salazar ganhou influência nos quadros políticos de Portugal e, em 1933, foi nomeado para o cargo de presidente do Conselho dos Ministros. Essa função era correspondente à função de chefe de Estado e marcou o início da ditadura salazarista, que se estendeu por mais de trinta anos e ficou conhecida como Estado Novo.

Estado Novo

Após ser indicado para o Conselho dos Ministros, Salazar articulou-se politicamente para conseguir aprovar uma nova Constituição para Portugal. Essa nova Constituição, por sinal, foi promulgada em 1933 e é entendida pelos historiadores como o marco fundador do Estado Novo em Portugal. A república portuguesa deixava de ser governada por uma ditadura militar e passava a ser governada por uma ditadura ocupada por um civil.

O Estado Novo, em Portugal, ficou marcado por ser antidemocrático, contrário às tradições liberais que haviam implantado a república em Portugal em 1910, pelo alto conservadorismo e apego às tradições, principalmente as religiosas, e por defender o corporativismo e o colonialismo. A implantação da ditadura salazarista foi resultado de uma queda de braço entre políticos conservadores que resultou no afastamento dos elementos que haviam apoiado o golpe militar de 1926.

O contexto histórico de ascensão do salazarismo em Portugal e as características desse período fizeram muitos historiadores afirmarem que o regime conservador e ditatorial de António Salazar possuía orientação fascista. Essa questão, porém, é alvo de debates entre os historiadores e não há um consenso sobre se o salazarismo foi um regime fascista ou não.

Características

A ditadura do Estado Novo, em Portugal, estendeu-se por quatro décadas. Desse período todo, algumas características podem ser destacadas:

  • A censura foi imposta no país como forma de controlar as informações que eram veiculadas e filtrar tudo que se opusesse ao regime;
  • Perseguição aos opositores do governo;
  • Grande concentração de poder nas mãos do líder;
  • Perseguição a todos os partidos políticos, com exceção do partido do regime, chamado de União Nacional;
  • Imposição de uma agenda corporativista que colocava o governo como mediador das relações entre patrão e funcionário com o objetivo de evitar conflitos de classe;
  • Exaltação de valores tradicionais resgatados de um passado mítico português.
  • Defesa do colonialismo;
  • Exaltação de ideais conservadores sob o lema “Deus, pátria, família”.

Fim do salazarismo

A decadência do Estado Novo, em Portugal, iniciou-se na década de 1960. A decadência do regime está relacionada a diversos fatores que incorporam sua ineficiência em se adaptar às mudanças enfrentadas pelo país; ao fortalecimento das oposições e da contestação social ao regime; e às questões econômicas.

Portugal demonstrava, no período, ser uma nação atrasada em relação a outros países da Europa ocidental. A frágil situação da economia agravou-se com a crise do colonialismo. As colônias portuguesas começaram a rebelar-se contra o domínio português, e o regime iniciou guerras para forçar a submissão das colônias rebeldes. Os conflitos espalharam-se por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e outras colônias.

Para agravar a situação, o regime vivia uma crise de comando, já que António Salazar enfrentava graves problemas de saúde. Isso levou ao seu afastamento em 1968, e Marcello Caetano substituiu o antigo governante português. António Salazar, inclusive, acabou falecendo em 1970, aos 81 anos de idade.

Com o regime impopular, demonstrações de insatisfação e oposição a ele ganharam força na sociedade. A ala mais conservadora do regime recusou-se a permitir a realização de reformas no Estado Novo, e a insatisfação com a ditadura portuguesa alcançou uma ala do exército, que passou a organizar-se para derrubar o regime.

O golpe organizado pelos militares contra o Estado Novo ficou conhecido como Revolução dos Cravos e ocorreu em 25 de abril de 1974. No dia da Revolução dos Cravos, tropas portuguesas ocuparam locais estratégicos de Lisboa e ordenaram a destituição de Marcello Caetano do comando do país. A Revolução dos Cravos marcou o fim da ditadura e permitiu a reconstrução da democracia em Portugal.

*Créditos da imagem: Boris15 e Shutterstock

Publicado por Daniel Neves Silva

Quando se inflamam as palavras…

Álvaro Cardoso Gomes,
Ensaísta e romancista

Por convenção simbólica e, por extensão, poética, sabe-se que a cor vermelha é fundamental para expressar as grandes paixões, sejam as do coração ou as dos ímpetos revolucionários. Isto porque tal cor está ligada ao sangue, ao fogo, forças vitais do homem que o impulsionam para a conquista e para o domínio das coisas e dos outros.

Nesse sentido, é bem apropriado o fato de que Álvaro Alves de Faria, como poeta inspirado que é, intitule de Cravos Vermelhos este seu último livro, que tem por escopo poetizar um dos fatos mais dramáticos da história portuguesa contemporânea, a da chamada “Revolução dos Cravos”, ocorrida em 25 de abril de 1974. Na ocasião, revoltado com a opressão do Estado, durante o (des)governo de Marcelo Caetano, imposto pelas elites, para substituir o senil ditador António de Oliveira Salazar que, adoentado, fora obrigado a se afastar do poder, o povo empreendeu uma jornada de protestos nunca vistas antes no país.

Como marca simbólica dessa revolta, eternizou-se, em Portugal, a imagem dos cravos vermelhos, que a população achou por bem enfiar no cano das armas dos militares, para impedi-los de participar de mais um ato de agressão contra ela. Verificou-se então um fato de proporções e consequências extraordinárias. Depondo as armas, os militares solidarizaram-se com os anseios do povo, ajudando com isso a derrubar uma ditadura que começara em 1926. O resto então é História – como num castelo de cartas, caem a ditadura em Portugal, e as chamadas “colônias do Além-Mar”, tornam-se independentes.

Ao querer eternizar em palavras esse marco histórico fundamental para Portugal – e por extensão, para o Brasil –, Álvaro Alves de Faria enfrentou um grande desafio, na medida em que deveria necessariamente expressar-se por meio de uma poesia que denominaríamos, na falta de melhor termo, de “panfletária”, em que as imagens poéticas estariam a serviço, de maneira deliberada, de uma ideia pré-concebida. O poeta opta, portanto, por esse tipo de poesia, em que o verbo é articulado, tendo em vista uma causa revolucionária – a eclosão de um momento epifânico, em que o povo português busca assumir seu protagonismo histórico, frente aos desmandos do autoritarismo. No caso, as palavras visam a comemorar a chamada “Revolução dos Cravos”, em que as frágeis flores assumem um extraordinário relevo, a ponto de serem capazes de deflagar um movimento revolucionário de grandes proporções e que contribuiria significativamente para a formatação do Portugal moderno, um país democrático, em que os direitos humanos são amplamente respeitados.

Podemos chamar essa concepção de literatura, de acordo com o crítico norte-americano M. H. Abrams, autor de O Espelho e a Lâmpada, de pragmática, no sentido de que “a obra artística, assim imaginada, vê a arte principalmente como um meio para um fim, como instrumento para conseguir que se faça algo, e tende a julgar seu valor caso tenha êxito para realizar esse propósito”. Obras dessa espécie procuram equilibrar o belo e o útil, no sentido de que a beleza oferecida aos olhos e ouvidos serve de atração, para que se lance às consciências um valor moral, de modo mais específico, uma advertência sobre a tirania, as ditaduras e, ao mesmo tempo, a resistência à arbitrariedade.

Como resultado disso, o discurso, exaltado e declamatório, emprega, via de regra, palavras transparentes que, hiperbolicamente, se tornam ígneas, no sentido de difundir, de maneira bastante inflamada, moções de protesto, verificável também na carga semântica disseminada todo o livro – “povo”, “liberdade”, “livre”, “poder”, “vida”, “luta”, “bandeira”, “vermelho”, etc. Nesse sentido, a fala do sujeito da enunciação contamina-se de alta emoção, visando com isso a despertar o ouvinte/leitor e a tirá-lo do marasmo, sinônimo de alienação, de alheamento, em face da realidade conturbada.

O melhor exemplo dessa tendência em Álvaro Alves de Faria encontra-se no poema de número 21:

 

Vive agora, não lamentes,

para tudo, nada é tarde,

sai de ti e te inventes

a palavra LIVRERDADE.

 

O poeta assume uma postura de profeta para se dirigir ao destinatário inominado. Daí o uso do imperativo, como uma forma de abrir consciências para uma realidade, identificada pelo neologismo, que resulta da fusão das palavras “livre” e “liberdade”, em que o adjetivo e o substantivo irmanam-se para cunhar um termo que só tem vez dentro do poema e, como tal, acentua sua absoluta representatividade, conquistada quando o ser sai afinal de dentro de si, graças à entonação revolucionária da voz poética.

Isto faz que o poeta se torne uma entidade solar, capaz de, com sua força ígnea, transformar a realidade. No poema de número 3, mais uma vez, dirige-se ele ao leitor e/ou ouvinte de fora e do alto, para lhe fornecer a oportunidade de uma descoberta:

 

Cai-te nos olhos o brilho do Sol

para que vejas melhor como nunca viste,

e sintas

como nunca nada sentiste.

 

Contudo, este discurso claro, transparente, não é regra absoluta, na medida em que o discurso panfletário coexiste na poesia de Álvaro Alves de Faria com um outro, em que se oferece a opacidade do discurso, no sentido de que o poeta se deixa levar pelo canto, pela musicalidade, como acontece no poema 17:

 

Fazes-te florir como florem as flores,

assim ao vento dos dias,

como florem os ventos da flora

e nem percebem,

assim a florir esse mundo que guardas

olhando as vitrines das docerias

e as livrarias um livro

que ainda não foi escrito.

 

A acentuar o ato irracional da criação, o poeta o compara ao do nascimento contínuo das flores, representado pela aliteração em “fl”, que  faz que o discurso se torne propositadamente redundante, a lembrar, por acaso, os belos versos de Eugénio de Castro, simbolista português:

 

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse…

o sol, o celestial girassol, esmorece…

e as cantilenas de serenos sons amenos

fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos…

 

O discurso musicalizado, tanto em Eugénio de Castro quanto em Álvaro Alves de Faria, adquire uma opacidade, que o impede de se tornar apenas meio para um fim, na medida em que a redundância faz que o leitor seja atraído mais pelo som do que pelo sentido. Por outro lado, o ato poético, natural em sua espontaneidade, deflagra um processo de construção poética, graças à lembrança dos doces nas vitrines, algo sensitivo, e de um livro ainda não escrito, algo intelectual, o que implicará a insistência nesse ato positivo e criador do homem:

 

Fazes-te mais do que a flor que flore

e deixa que faça o vento a sua parte,

como quem chega de repente,

vê a tarde na sala e fala em partir,

assim como as flores que flores

no novo tempo do vento a florir.

 

O poeta imprime ao discurso poético de caráter panfletário um novo sopro, impedindo-o que se torne mero panfleto, graças à qualidade de sua poesia. Como no exemplo acima, os poemas caracterizam-se, ao mesmo tempo, por uma voz inflamada, de arauto, que procura tirar as pessoas do marasmo, ao lhes recordar os eventos que marcaram Portugal para sempre e por uma voz lírica, modulada, capaz de explorar no discurso camadas sonoras de grande efeito poético.

Em suma, mais uma vez, Álvaro Alves de Faria, dá demonstrações de um talento único, exemplar, ajudando as consciências a despertarem para um grande acontecimento histórico, por meio de uma fala impregnada de musicalidade. O que não é pouco, ainda mais se considerarmos a aridez intelectual destes nossos tempo de trevas, opressão e maus poemas.

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