Os amigos poetas Antonio Miranda, Eunice Arruda e Álvaro Alves de Faria ( esq./dir)
As lâminas como destino em Álvaro Alves de Faria
A trajetória de lâminas na poesia de Álvaro Alves de Faria é uma constante esclarecedora, pois o poeta assemelha a sua dicção à claridade concreta da palavra:
Meus sapatos
caminham
sobressaltos
O longo destino de Álvaro Alves de Faria é espantoso:
Meu pai
nunca soube
que eu morri.
Levantava-se às manhãs
e ia à terra e às ovelhas
e ao passar
pelo meu quarto
pensava-me a dormir.
À noite voltava
com as mãos cheias
de castanhas
e ao ver-me ausente
imaginava-me a navegar
oceanos distantes.
Jamais nos encontramos
nos cômodos da casa.
Meu pai
nunca soube
que eu morri.
O pensamento de Álvaro Alves de Faria é lúcido, objetivo, exato:
No shopping, todas as mulheres
casadas são suspeitas.
Andam devagar com olhos azuis
e pensam na vida
em silêncio.
No shopping, as mulheres casadas
sentem a vagina molhada
e umedecem os lábios
para um beijo impossível.
No shopping, as mulheres casadas
mostram os seios, as coxas,
a calcinha de renda
e de náilon.
Mordem a ponta dos dedos,
tomam laranjada e coca-cola,
lêem os cartazes do cinema
e suspiram de amor.
No shopping, as mulheres casadas
se esquecem
e tecem a tarde com perfume,
molham a língua
com um doce de chocolate
e deixam o bico do seio crescer.
No shopping, as mulheres casadas
procuram revistas e livros,
a blusa de Los Angeles,
os sapatos azuis
e até um vestido de noiva.
No shopping, as mulheres casadas
sugam o batom da boca
e desejam outros desejos
impenetráveis.
No shopping, as mulheres casadas
gozam em cada olhar
e depois ficam mais tristes.
Concordo com o crítico Antonio Carlos Secchin quando informa que a poética de Álvaro Alves de Faria demonstra que viver é algo que sangra:
Que me sinta assim morrer antes da Primavera
como se a querer sentir o que não sinto
como se a sentir o que não tenho e o que não me dera
a dizer da verdade o que de certo apenas minto.
Em seu poema Auto-Retrato, tem-se um registro cabalístico da profunda especulação existencial de Álvaro Alves de Faria:
Ando sempre com a sensação
de estar à beira de um colapso.
Mas sei que isso faz parte
da brutalidade cotidiana.
Enquanto não dou um fim a tudo,
me submeto à próxima
vontade de existir,
como se tudo fosse normal.
O grande escritor que é Álvaro Alves de Faria nasceu em São Paulo, em 1942. Portanto, em 2012, comemora-se o seus 70 anos de vida, essa postagem é uma homenagem ao seu caminho de cortes:
Chega uma hora em que a poesia
não basta em si,
chega uma hora em que a poesia
não basta em ti
chega uma hora em que a poesia
não basta em mim
Poemas de Álvaro Alves de Faria
Minuta de Diego Mendes Sousa