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A POESIA BRASILEIRA ESTÁ MERGULHADA NUMA DENSA ESCURIDÃO
Entrevista a Ana Luiza Moulatlet

PORTAL IMPRENSA

(Revista de crítica da mídia e da imprensa nacional)
ENTREVISTA DA SEMANA – 3 de março de 2008

-Você é apontado como um dos únicos críticos da crítica cultural brasileira. Aponte-me os vícios.

-Não, não sou o único. É que as outras pessoas têm receio de dizer o que pensam do jornalismo cultural deprimente brasileiro, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Mas, sinceramente, eu cheguei a um ponto na vida que não tenho mais interesse nenhum nesse bando de gente ignorante. Nenhum. Descontando as exceções, sempre há exceções, não respeito essa gente. São mentirosos. Escondem a notícia verdadeira que diz respeito à literatura e vivem de fazer favores mútuos uns aos outros, numa prática vergonhosa desse chamado jornalismo cultural que de cultural não tem absolutamente, não tem compromisso algum com nada. O que ocorre atualmente é de um constrangimento que nem dá para explicar direito. A crítica cultural brasileira é bisonha e é ridícula também. Só tem vez aqueles amigos de sempre, aquela mesma turminha de sempre, esses que de repente tomaram o poder nos suplementos culturais e nas universidades. Fora do círculo de malfeitores que são, não entra mais ninguém. Existem eles e somente eles. Isso não é democrático num país que se quer civilizado. Ocorre que vivemos num país vagabundo, sendo assim, deve estar tudo correto.

 

-Mas o que de fato ocorre para que você tenha tomado decisões radicais em relação ao jornalismo cultural?

-Ocorre que não dá para se lidar com gente sem caráter e, pior, sem preparo algum para a função que pensam exercer. Ocorre que não dá para lidar com gente que não tem o entendimento correto das coisas, da própria cultura, porque são também mal intencionadas. O Ferreira Gullar me disse um dia algo que guardei: “Estou cansado de ver gente escrever sobre Baudelaire sem nunca ter lido um verso de Baudelaire”. É isso que ocorre. Por exemplo: agora surgiu uma turminha aí que “escreve” contos. Coisa deplorável, de gente ignorante mesmo, de gente que não sabe coisa nenhuma de nada. Pois essa gente está todos os dias nos chamados suplementos culturais. Todos os dias. Com aquela conversinha de sempre. Chega a ser uma afronta. Uma louvação vergonhosa para gente sem talento nenhum, que faz da literatura uma lata de lixo, de uma vulgaridade assustadora. E são eles que estão aí, com todo o amparo dessa chamada imprensa cultural desonesta. O mesmo ocorre com a poesia, uma coisa deplorável. Jornalismo cultural, para mim, ressalvando, sempre, as exceções, que existem, tornou-se um jogo de favores entre alguns delinquentes da literatura que se dizem escritores e os suplementos ajudam nessa mentira lastimável.

 

-De seis anos pra cá a sua obra começou a ser valorizada na Europa em geral e em Portugal em particular. Fale dessas suas andanças.

-Deixei de ser poeta brasileiro. Claro que meus amigos acham que estou ironizando as coisas. Mas não. Deixei mesmo. Mas é bom ressaltar que isso não tem significado nenhum. Tenho 19 leitores em Portugal. Isso me basta. Nada tenho a ver com o que está sendo produzido em poesia neste país vagabundo em que todos estamos metidos. O desencantamento não envolve apenas a literatura, no meu caso. Não. Atingiu, também, o cidadão. Minha relação com o Brasil é apenas geográfica. Nada tenho a ver com este quadro melancólico que, infelizmente, como jornalista profissional que ainda sou, tenho de acompanhar todos os dias. Quanto à valorização na Europa e em Portugal, particularmente, sinceramente prefiro não falar, deixa para lá…

 

-Mas isso seria importante até para que a gente possa situar melhor o que ocorre…

-Bem, acho que de fato é assim. Você está fazendo uma entrevista comigo. Então, tomo a liberdade de particularizar algumas situações. Veja bem: meus últimos seis livros de poesia foram publicados em Portugal, sem contar o grande número de antologias de poesia publicadas lá com poemas meus. Quem sabe disso no Brasil? Poucos. Por que ? Porque o chamado jornalismo cultural ignora. Prefere dar duas três páginas com fotos coloridas de subliteratura norte-americana. Ou qualquer coisa. Mais um exemplo: em 2007, foi realizado, em Salamanca, na Espanha, o Décimo Encontro de Poetas Iberoamericanos, nesse ano dedicado ao Brasil. Fui o poeta brasileiro homenageado no evento, com a publicação de uma belíssima antologia com poemas selecionados e traduzidos pelo poeta espanhol Alfredo Perez Alencart, da Faculdade de Direito de Salamanca. Logo a seguir ao encontro de Salamanca, eu segui para Coimbra, onde lancei o livro “Inês”, na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, onde Inês de Castro foi morta. A Editora Escrituras enviou uma nota aos jornais. Não enviou uma matéria de 90 linhas. Não. Uma notinha de  seis linhas. Eu mesmo me empenhei nisso, pessoalmente, enviando a nota para alguns “amigos” nos suplementos. Não saiu nada. Absolutamente nada. Quer dizer: um poeta brasileiro vai para a Europa para ser homenageado e lançar livro em Salamanca, Espanha, e a seguir para também ser homenageado pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e lançar outro livro, e esse fato não merece sequer uma menção nesse chamado jornalismo cultural. O que é que a gente deve pensar disso? Mas aí entra, também, uma coisa deplorável que talvez nem caiba numa entrevista como esta. Mas é preciso lembrar disso para situar bem uma situação deprimente: aí entra também o ingrediente chamado inveja. Inveja de alguns amiguinhos, uns grandes filhos da puta, gente sem escrúpulo algum.

 

–O que no caso magoou, se é que posso usar essa expressão ?

-Sua expressão é correta. Porque magoa, sim. Muitas das coisas que eu disse no meu discurso no Salão de Recepções do Ayuntamiento de Salamanca, onde o evento foi realizado, viraram notícia em jornais de vários países da Europa e mesmo aqui na América Latina. Não são notícias de uma página inteira. Não. Mas são notas sobre a palavra de um poeta brasileiro sobre seu país, desde as questões políticas e literárias. Aqui no país do desencanto, nada.

 

-Isso pode ser ressentimento?

-Pode não, é ressentimento sim. Eu sou um ser humano. Acontecesse com esses coleguinhas esse fato que relatei, de Salamanca e Coimbra, e teríamos aí matéria de página inteira nesse joguinho sórdido. Veja bem: Soube agora, há alguns dias, que uma doutoranda na Universidade de Coimbra está concluindo seu trabalho de doutorado. Ela está escrevendo sobre O sermão do Viaduto, os poemas que que eu lia no Viaduto do Chá, nos anos 60, logo no início da ditadura. Fui preso cinco vezes em nove recitais que realizei no local. Parte desse longo trabalho da doutoranda, Aline Bernard, já foi publicada na revista da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se de algo inacreditável, até porque não conheço a pessoa que escolheu minha poesia para o ensaio de seu doutoramento na Universidade de Coimbra, em Portugal. É um trabalho exuberante. Um ensaio que poucas vezes vi igual. Se isso estivesse ocorrendo com alguns dos que eu conheço no jornalismo cultural, já teria sido publicada matéria com chamada na primeira página. Como estamos falando de mim, repito, estou particularizando as coisas. Não me atrevo a dizer isso a nenhum jornalistazinho idiota dos suplementos culturais, para não me humilhar. Eles preferem vulgaridades. Preferem as coisinhas ridículas de sempre. Eu não sou vulgar.

 

-Você costuma fazer leituras de poemas em Portugal, especialmente em Coimbra, além de palestras. Um texto que de alguma maneira tornou-se conhecido é “O Marketing contra a Poesia”. É isso mesmo?

-É. Nesse texto eu falo de tudo isto que estamos tratando nesta entrevista. Que a poesia brasileira está mergulhada numa densa escuridão. Digo que no Brasil este é um tempo que transforma compositores de música popular brasileira em poetas grandiosos. Um deboche. Em certo trecho dessa palestra eu afirmo: Os tecnocratas da poesia no Brasil querem a morte da palavra. Os tecnocratas da poesia querem a morte do poema. Os tecnocratas do poema querem a morte da poesia.

 

-Como os portugueses reagem?

-Eles acham uma situação inacreditável, até porque eles têm a ideia de que o Brasil é  um país. Eles pensam isso. Mas eles ficam perplexos mesmo quando eu digo que, em muitos casos, o jornalismo cultural brasileiro é uma questão sexual…

 

-O que é isso?

-Deixa para lá. Esqueçamos isso. Estou cansado de ver aquelas carinhas assexuados de oclinhos redondinhos…

 

-Você não tem algum receio de dizer coisas assim?

-Não, não tenho, até porque, sinceramente, a gente chega a uma altura da vida que não necessita mais dessa imbecilidade que é a imprensa cultural, ressalvando, sempre, as exceções que existem. Eu estou no index há muito tempo. Mas estou pouco me lixando para isso. Não sei lidar com fascistas. Nem com gente ligada somente às frivolidades. Acredito que posso falar sobre esse assunto porque dele eu entendo, e entendo muito, muito bem. Recebi por duas vezes o Jabuti de Imprensa, em 1976 e 1983, pelo trabalho desenvolvido a favor do livro como crítico literário, e mais dois APCA em 1988 e 1989 pelo mesmo motivo. Faço questão de dizer isso. Só para causar raiva. Nesse tempo também existia gente sem caráter e sem compromisso com nada na imprensa cultural, mas não eram tantos.          

 

-Você esteve com o escritor argentino Jorge Luis Borges, em seu apartamento na Calle Maipu em Buenos Aires. Como era Borges de perto?

-Fiz com Borges a entrevista de minha vida. E olha que eu já entrevistei praticamente todos os grandes escritores e escritoras brasileiras. Veja o livro “Palavra de Mulher”, por exemplo, e o “Pastores de Virgílio”, que está para sair. Fui a Buenos Aires em setembro de 1976, depois de alguns meses de conversa para marcar essa entrevista. Achei que seria recebido no máximo por 30 ou 40 minutos.   No primeiro dia, fiquei com Borges seis horas. Ele pediu-me para voltar no dia seguinte, para mais seis horas de conversa. Ele pediu para eu voltar no dia seguinte. Vi um homem sozinho, mergulhando na solidão terrível. Mas um ser humano que me deixou amargurado. Pelo seu rancor, pelo seu desprezo ao mundo e às pessoas. Guardei essa entrevista por 25 anos. Até pelo o que ele falava da junta militar que governava a Argentina na época, que merecia todos seus elogios. Um prato cheio para os militares brasileiros que estavam no poder no Brasil. A entrevista foi transformada em livro em 2001, publicado pela Editora Escrituras. Nesse tempo eu era crítico de Poesia do Jornal da Tarde, Caderno de Sábado. Um energúmeno transformou o livro em nada, numa resenha maldosa que fez para o suplemento no qual eu escrevia há anos. Criticou até as 17 fotografias que fiz de Borges na sua poltrona preferida, como se eu fosse um fotógrafo profissional competindo com Sebastião Salgado. Um idiota perfeito, mas desses idiotas dos mais idiotas que há, um sujeito rancoroso, um imbecil completo. Com toda a sinceridade, nem sei o nome dele. Apaguei da minha cabeça. Uma crítica raivosa, feita única e exclusivamente para destruir um livro. Como se passar doze horas com Borges, dentro do apartamento do escritor, em Buenos Aires, fosse coisa banal. Como se tirar 17 fotografias de Borges na sua poltrona preferida, fosse uma coisa banal. Não é, idiota, respondo agora, alguns anos depois. Não é. Tomei chá com Borges duas vezes, em duas tardes de setembro de 1976. Esse livro me trouxe outro dissabor amargo, triste mesmo, ao saber que um “amigo” meu fez de tudo para que não saísse uma única linha sobre o livro no outro jornal do grupo. Não saiu. É meu amigo, veja bem. Imagine se fosse inimigo… Não dá mais para conviver com coisas assim. Eu me nego a isso. Por isso fui para Portugal. Para mim o Brasil não existe. A poesia brasileira não existe. A prosa brasileira não existe. Não existe nada no país vagabundo. Existe só gente esperta. Mas essa não é minha área. Eu acho que ainda sou gente.

 

-Mas você resolve, por exemplo, ser um poeta português e passa a ser… é assim?

-É exatamente assim, porque isso representa uma decisão íntima, uma decisão que vem de dentro, que vem de onde você de fato vive, onde vive o pensamento, a ideia, o ideal, o grito, o desespero e até algumas possíveis alegrias. Deixei de ser poeta brasileiro, sim. Faço questão que seja assim. O que aliás, repito, não tem significado nem importância nenhuma. Passei a ser um poeta português, até porque tenho dupla nacionalidade. Não quero saber desta poesia da mentira produzida aqui neste país sempre a espera de seu grande destino. Cansei dessa conversa idiota. E isso envolve, sim, a poesia. Meus seis últimos livros de poesia foram publicados em Portugal. Em 2007 saiu aqui “Babel”. Quem ler esse livro com alguma atenção verá minha luta contra a própria poesia. Pelo menos a poesia que está sendo produzida por aí por alguns facínoras.

 

-Você tem dito em muitas publicações que se considera um ex-poeta…

-Sim, eu me considero um ex-poeta. Aí a gente volta à pergunta anterior. Sou, sim, um ex-poeta diante do que ocorre no país do desalento. Ex-poeta com muita honra. Um ex-poeta quer quer muita distância da paisagem atual e da mediocridade reinante.

 

 -Você priva da amizade dos maiores escritores do Brasil. Fale em particular de sua amizade com Jorge Amado e outros grandes escritores brasileiros.

-Desculpe-me, mas sinceramente prefiro não me alongar nesse assunto. Pareceria algo para minha promoção. Não quero isso. Digo apenas que sou amigo de quase todos os grandes escritores e poetas deste país. Amigo mesmo. Falo, no caso, apenas de Jorge Amado, porque você a ele se referiu. Sempre mereci de Jorge Amado uma atenção especial. Nunca cheguei a compreender tanto afeto por mim. Talvez porque ele se chamasse Jorge Amado de Faria… Mas vamos então estender um pouco: isso também ocorre, por exemplo, com a Lygia Fagundes Telles, com o Paulo Bomfim, a primeira pessoa que escreveu sobre mim quando eu era ainda adolescente. Era assim com a Rachel de Queirós. Com a minha querida Hilda Hilst…E todos os poetas da Geração 60 de poetas de São Paulo, à qual pertenço. Formamos um grupo decente de poetas corretos.

 

 -O que falta, na sua opinião, para a cultura brasileira melhorar?

-Falta apenas ter escritores honestos, não essa leva insana que anda por aí, na área da poesia e da prosa. Não tem nada a melhorar. Tem, na verdade, de começar tudo de novo. Vamos repetir sempre que existem exceções. Não gosto de generalizar nada. Especialmente nessa área. A literatura é coisa séria, é a identidade de um país. Não é esse lixo que anda por aí, essa poesia imbecil que anda por aí, esses continhos ridículos que andam por aí. Não é isso, não. Mas os donos dos suplementos culturais não pensam assim. Então eles escrevem a história deles enquanto a história verdadeira vive à margem, corre na linha paralela. Mas existe uma coisa chamada processo histórico. Disso ninguém escapa. A mediocridade reina, é verdade, mas não reina para sempre.

 

-Fale dos seus próximos lançamentos.

-Tenho para este ano “Pastores de Virgílio, livro de entrevista com 50 escritores e escritoras, a sair pela Escrituras; “Os Melhores Poemas”, na coleção da Editora Global dirigida pela escritora Edla van Stenn; “Alma Gentil-Raízes”, reunindo os seis livros publicados em Portugal, a sair também pela Escrituras; “O poema, Sophia”, longo poema escrito no dia 2 de julho de 2004, em Lisboa, no dia em que morreu a poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, a sair pela Editora Palimage, de Coimbra; e por fim – talvez ainda neste ano – um livro de histórias em quadrinhos, uma tirinha com um personagem chamado Pintim, um passarinho triste, que eu publicava no Diário de S. Paulo, dos Diários Associados, no final dos anos 70.

 

-O prêmio Nobel costuma associar o homem à obra. Ou seja, os premiados devem ter uma militância libertária análoga ao que escrevem. Mas escritores como por exemplo Balzac, Nelson Rodrigues e Borges eram conservadores de carteirinha. O próprio Karl Marx defendia que a obra é uma coisa e o homem é outra. Qual a sua postura: você defende como o Nobel que o autor deve ser igual a sua obra ou não?

-Vou ser bem econômico nessa questão: Eu, particularmente, não separo o homem de sua obra. Para mim, não tem essa de o homem (escritor) ser uma coisa e a obra outra. Não. Para mim isso não existe.

 

-Como você enxerga a produção literária brasileira hoje? 

-Ressalvando sempre as exceções, a produção é lastimável por tudo que já disse nesta entrevista. Falta seriedade. Falta crítica séria. Falta crítica honesta. Falta suplemento cultural confiável. Falta tudo. O Brasil é um país sem sorte. A literatura não poderia fugir a isso. É um destino. Um pais vagabundo só pode ter uma literatura vagabunda. Só pode ter um jornalismo vagabundo. Isto aqui é um deserto de ideias sérias. Isto aqui é o vazio absoluto.

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