Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

A memória do pai

Entrevista: A MEMÓRIA DO PAI

Cida Sepulveda

O poeta Álvaro Alves de Faria regressou de Portugal recentemente onde foi lançar mais um livro de poemas, “A memória do pai”, da Palimage Editora de Coimbra. Este é o quarto livro do poeta em Portugal. Os anteriores são “20 poemas quase líricos e algumas canções para Coimbra” (1999), “Poemas portugueses” (2002), e “Sete anos de pastor” (2005). O poeta volta a Portugal em outubro para lançar “Inês”, na Quinta das Lágrimas, junto à Fonte dos Amores, onde Inês de Castro foi morta em Coimbra.

“A memória do pai” teve lançamento no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, onde Álvaro fez uma leitura de poemas juntamente com poetas da Oficina de Poesia da Universidade de Coimbra. Os quatro livros já publicados em Portugal, mais “Inês”, serão lançados no Brasil em 2008 com o título “Alma Gentil”.

Em 2003, o poeta reuniu toda sua poesia no livro “Trajetória Poética”, que recebeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte como o melhor livro de poesia do ano e foi ainda finalista do Jabuti. Como crítico de literatura, Álvaro Alves de Faria já recebeu por duas vezes o Jabuti de Imprensa, em 1976 e 1983, pelo trabalho que sempre desenvolveu na imprensa em favor do livro.

Álvaro é autor de mais de 40 livros, entre poesia, romances, novelas, crônicas, ensaios literários e livros de entrevistas literárias, além de peças de teatro. Mas é fundamentalmente poeta. Nos anos 70 sua peça “Salve-se quem puder que o jardim esstá pegando fogo” recebeu o Prêmio Anchieta, um dos mais importantes na época. A peça, no entanto, foi proibida de encenação uma semana antes da estréia. Ficou censurada por seis anos, indo aos polcos somente no início dos anos 80, na chamada abertura política.

Nos anos 60, o poeta declamava os poemas de seu livro “O Sermão do Viaduto” no Viaduto do Chá. Levava para o local uma konbi com microfone e quatro alto-falantes. Fez nove recitais no viaduto e foi preso pelo Dops cinco vezes, como subversivo. Sobre esse tempo diz poucas palavras: “A última prisão foi dramática”.  

Além dos livros em Portugal, o poeta participa de várias antologias de poesia naquele país e tem participado de eventos culturais em várias cidades portuguesas. No ano passado, por exemplo, esteve em Idanha-a-Nova, na fronteira com a Espanha, para participar dos 800 anos dessa Vila. Na oportunidade, participou de um recital de poesia ao lado de Vasco Graça Moura, Nuno Júdice e Ana Luísa Amaral.

 

Cida Sepulveda – Por que você publicou seus últimos livros em Portugal?

AAFDesencanto. Mas desencanto mesmo. O que se vê no Brasil atualmente em relação à poesia é de doer na alma. É impossível não reagir a essa leviandade, a essa inconsequência. A poesia brasileira merece mais respeito. Cansei dos delinquentes que militam nessa área – e também na prosa, diga-se – tudo com toda cobertura de um jornalismo que se diz cultural sem compromisso com nada. Então resolvi publicar em Portugal, seguindo a  linguagem da poesia portuguesa. Com toda sinceridade, eu me considero um poeta português. Nada tenho a ver com isto aqui. Até mesmo pelos meus antecedentes, pai e mãe.

 

Cida Sepulveda – Mas isso não tem qualquer significado prático…

AAFConcordo, mas pelo menos resolvi uma questão minha, pessoal, íntima, honesta comigo mesma. No ano que vem vou reunir toda essa produção – digamos – portuguesa num único volume aqui no Brasil. Terá o título de “Alma gentil” e será lançado pela Escrituras.

 

Cida Sepulveda – Não faz muito tempo o escritor Deonísio da Silva escreveu sobre você um artigo para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, com o título “Poeta Exilado”. Você se sente assim?

AAFLiterariamente, sim. Exilado mesmo. Descontando algumas raras exceções, gente séria não tem vez neste vale de lágrimas que é a poesia brasileira e a literatura em geral. E isso incluiu, também, o chamado jornalismo  cultural. Tudo que escrevo atualmente tem a ver com a poesia portuguesa. Eu quero que seja assim. Eu quero que continue assim.

 

Cida Sepulveda – Isso não é ressentimento ?

AAFÉ. Qual o problema ? Sou um poeta ressentido. Mas sou, antes de tudo, um poeta consciente. O que ocorre no Brasil em relação à poesia pouco me importa, ressalvando sempre as exceções. Que aliás, a bem da verdade, são muitas. Nem tudo está perdido. Mas no que diz respeito a mim, o caminho foi traçado e nele vou seguir até esgotar a palavra que me cabe.

 

Cida Sepulveda – Essa sua postura não representa pessimismo demais?

AAFRepresenta, sim. Eu tenho consciência disso. Mas neste momento de minha vida não dá para ser diferente. Eu vejo isso como uma espécie de reação. Muita gente não entende, mas isso é assim mesmo. Muita gente se assusta quando eu digo que sou um poeta português. Inclusive em Portugal. Isso ficou claro quando a RTP – Rádio e Televisão de Portugal – fez comigo o Programa “Entre nós”, de meia-hora, gravado na Universidade Aberta de Lisboa. Quando eu disse que era um poeta português tive de dar muitas explicações para a apresentadora. Acho que fui convincente. Até porque, a bem da verdade, eu me considero mesmo um poeta português, ou exilado, como afirma o Deonísio da Silva. Mas será preciso dizer e ressaltar sempre que essa minha visão da poesia brasileira não é generalizada. Não. Nem pode ser. Sou inteligente suficientemente para saber onde está a boa poesia brasileira, a poesia que eu respeito. Os poetas que eu respeito.

 

Cida Sepulveda -Você falou sobre a linguagem da poesia portuguesa…

AAFExatamente. Ao optar por esse novo cenário, a fim de me salvar, mergulhei na linguagem dessa poesia de Portugal, e isso inclui palavras, pontuação, ritmo, musicalidade. Por exemplo: “Sete anos de pastor” foi quase todo escrito na linguagem de Camões. Aliás, o título do livro, foi tirado do soneto famoso do poeta português. Usei a métrica e rima e escrevi vários sonetos, o que parece um escândalo para alguns tolos que vivem por aqui. O mesmo ocorre com “Inês”, no qual volto à linguagem de Camões para narrar o drama de Inês de Castro e o que ela passaria a representar para a história e para a poesia de Portugal depois de sua morte.

 

Cida Sepulveda – Além de “Inês” em Portugal há mais alguma coisa para este ano de 2008?

AAFHá sim. A Editora Global me incluiu na sua coleção “Os melhores poemas”. O livro sai este ano com um longo ensaio de Carlos Felipe Moisés sobre minha poesia. Isso tem, para mim, um significado especial, porque essa coleção é o que de melhor se publica neste país com respeito à poesia, sob a direção da escritora Edla van Steen. É um alento.

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