Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Crítica 3

Álvaro Alves de Faria realiza um livro singular. E tece esta Inês em língua luminosa e para muitas pátrias. Por indeterminada e bela. Ícone platônico e fantasma. Afrodite. E Mira-Coeli. E todo um aspecto fontal, de As bucólicas revisitadas, de água pura, amor e solidão. Ouço aqui a brisa de Sá de Miranda. Petrarca e Camões. Io venni sol per isvelgiare altrui. A tanto veio Álvaro: para despertar. De um sonho impreciso. Vasto, impreciso e doloroso. Eis o lado mais fundo de Inês. O seu país secreto, anfíbio e múltiplo. Tal como as formas poéticas em que Álvaro declara o seu terrível amor. Altivo e submisso. Mas onde, como e quando surge Inês em sua obra? Uma pergunta impossível, a que parece responder timidamente uma pista: ao terminar a viagem ao Pai, tão sentida telemaquia!, ressurge a sua Ítaca, de nome Portugal. Álvaro Alves de Faria, porque reuniu as partes dispersas, porque abraçou todas as parcelas das ilhas esquecidas, escreveu um de seus livros mais belos e mais inspirados. Io venni sol per isvegliare altrui.

 Marco Lucchesi

 

O amor ensina a voar por qualquer instante ou fresta do tempo, a viver o assombro como o pão de cada dia, a morrer talhando epitáfios para sempre. Existe um amor cuja antiga linhagem expõe o seu desejo como no princípio, porque nunca perde o combustível para a sua incandescência. No vasto mundo da lusofonia, o amor do Infante Dom Pedro  pela galega Inês de Castro aparece como uma história sagrada matizada de lenda. Permanece como uma labareda quieta no imaginário popular: todos a recordam, mas são os poetas que a tornam mais viva enquanto passam os séculos. E dentro da plêiade de poetas, poucos são os eleitos para deixar marca sobre o nome de Inês. Um deles é – e será – Álvaro Alves de Faria, paulista cujos versos admiro e traduzo. Leiam o seu longo poema repartido em trinta cantos, pois a voz de Faria (convertido em Pedro) saberá comover-vos com a sua realidade outra do amor. Inês ocupará um lugar seguro na imorredoira literatura portuguesa.

 Alfredo Pérez Alencart

Poeta peruano-espanhol

Universidade de Salamanca, Espanha

 

 A poesia de Álvaro Alves de Faria é feita de alusões. Sua poesia é uma palavra que alude a tudo o que se passa sob os olhos do poeta, numa quase febre de aproximar distâncias, de despertar imagens recolhidas, de reviver sentimentos vividos e, acima de tudo, de animar coisas, objetos e paisagens que vemos e carregamos conosco em silêncio. Nada escapa às suas alusões. E essas alusões queimam e acariciam. São veneno e bálsamo, ao mesmo tempo. São escandalosamente simples e diretas na sua beleza verbal. Acusam a amargura, o desconsolo e a solidão. Namoram a alegria latente das horas tristes. Destilam o sarcasmo delicado das horas graves. Dão vida à natureza morta dos desejos suprimidos.

Mário Chamie

 

Álvaro Alves de Faria, em “Trajetória Poética”, revela, com claridade, um caminho singular na peosia em língua portuguesa. Primeiro, por ter construído sua cosmovisão pessoal, um mundo harmonioso – de livro em livro – competando-se como rodas de um destino. Segundo, por jamais escapar nos exercícios pirotécnicos, ou da baixa modernidade, onde o raqutismo se alia ao vazio. Sua grandeza é a de perenizar na palavra a nossa condoída e frágil condição humana. Simples, inventivo, direto, com a imaginação de fogo e a herança de uma poesia fonética que nasceu para ser dita e lida em voz alta, na oralidade dos aedos recitadores da Grécia Antiga. As palavras têm alma e só os autênticos e originais criadores, na humildade do ofício, como Álvaro Alves de Faria sabem e alcançam esta vida interminável. Os versos guardam a força e o ritmo de quem trabalha na música e na sombra das palavras. Onde o silêncio é parte indizível e as imagem voam como pássaros.

 Carlos Nejar

 

Gosto muito desse seu jeito de penetrar no cotidiano, despretenciosamente como o Manuel Bandeira, e de lá de dentro sacar o lírico e o patético. A frase corre tranqüila, como quem não está dando gravidade ao que fala e, de repente, vem aquele tapa no rosto.

 Affonso Romano de Sant´Anna.

 

Hoje, 40 anos e mais de uma dezena de livros de poesia depois, é notável a fidelidade do poeta às matrizes de que proveio, desde que se entenda o seu ensimesmamento atual, via de regra pungente e grave, como a mais recente das metamorfoses por que vem passando a indignação de origem. São quatro décadas de uma peculiar trajetória em que determinado modo de reagir imposto pelas circunstância, acabou por se transformar em modo de ser.

 Carlos Felipe Moisés

 

Aqui estão 40 anos de poesia de Álvaro Alves de Faria. Da primeira obra, em 1963, atgé hoje, são 16 livros de poemas que traçam o perfil de um dos mais atuantes e competemntes potas da “Geração 60”. Do jovem preso cinco vezes por falar poemas no Viaduato do Chá nos tempos da ditadura ao poeta maduro de hoje, fica esta “Trajetória Poética”, testemunhando que nele a vida e escrita sempre se fundiram. Quando poetas de sua geração começam a lançar poemas reunidos, a obra de Álvaro Alves de Faria é peça relevante para se ter uma idéia da poesia feita entre nós na segunda metade do século XX.

 Affonso Romano de Sant´Anna

 

POETA EXILADO

 

Álvaro Aves de Faria, seja qual for o ponto de vista escolhido, é poeta brasileiro de reconhecidos méritos. Mas confidenciou-me andar muito triste e desanimado com nosso país. Não naquele sentido da queima geral de sonhos, mas certa melancolia literária, a ‘austera, apagada e vil tristeza’ de que fala Camões.

‘Sou, agora, um poeta português’, escreveu-me. Comoveu-se com o lançamento do novo livro, Sete anos de Pastor (Portugal, 74 páginas), louvado no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, onde fez a leitura de vários poemas. Em companhia de poetas portugueses (quase escrevo ‘outros poetas portugueses’, aceitando a troca de nacionalidade, mas Álvaro é nosso e o boi não lambe) foi a outras cidades importantes de além-mar, convidado a fazer recitais literários. Em 2006 lançará em terras portuguesas novo livro: A memória do pai. ‘Sou hoje sinceramente um poeta exilado’, diz ele, assegurando que publicará primeiramente em Portugal. ‘E se possível também no Brasil’, acrescenta.

Os poetas são, mais do que nós (romancistas e contistas), sismógrafos, antenas da raça, como me disse um dia Paulo Leminski numa mesa de bar, provavelmente citando Pound. Aliás, acho de um divertido horror esses arrivistas que se dizem agora ou fazem tudo para parecer que eram íntimos do poeta paranaense. Lembro que quando o poeta lançou o romance Catatau, não teve o conforto de muitos dos que agora o louvam. No Brasil, como ocorrem com os heróis, escritor bom é escritor morto. Eu era professor na Universidade de Ijuí (RS) e contei com a ajuda de um frade capuchinho, autoridade inconteste na instituição, para levar Catatau ao alcance dos alunos na recém-fundada livraria universitária. E quem quiser saber mais, pergunte a quem o amou e cuidou dele nas horas amargas, longe do bar, a sua esposa, a poeta Alice Ruiz, autora daqueles poemas imperdíveis de Navalha na Liga.

‘Eu vivo num país de equívocos’, disse Álvaro numa entrevista, ‘onde o que vale é a lei dos espertos’. O poeta é intelectual sério, interessado em conviver com escritores que respeita, trocando telefonemas, cartas, livros. Esteve por duas longas tardes conversando com Jorge Luís Borges em Buenos Aires. Corresponde-se com José Saramago, Affonso Romano de Sant’Anna. Sua poesia já foi endossada por vários escritores da ABL, como Carlos Nejar, e também por Ferreira Gullar, entre outros juízos que muito respeitamos.

O novo livro traz versos como estes: ‘por mais que tudo seja/ quase tudo foi em vão/ como se nada tivesse havido’. ‘É possível ver melhor agora/ o fim das coisas/ que também antes terminavam/ mas eu não via’. ‘Também a mim me fora prometida/ de tal sorte que permaneço em minha espera/ como se a acudir-me no final das tardes/ entre portos e navios que não partem mais’. ‘Ao vos deixar na cama/ bem sei da minha sina/ esse amor que vos destina/ o esperar nascer o dia’.

Desejo sinceramente que o poeta Álvaro Alves de Faria tenha dado um pequeno adeus ao Brasil, como fazem os portugueses com o pequeno almoço, como chamam o café da manhã. E que ele volte para o almoço, a sesta, o jantar, a noite e a próxima aurora. É verdade que faz tempo que o Brasil ameaça amanhecer também para os escritores brasileiros, mas meu Deus, como é longa e escura essa noite!

Sempre sobram motivos para excluir do convívio dos justos os escritores brasileiros. Para incluir, porém, parecem sempre faltar! Os poetas são vítimas preferenciais de exclusões.

 Deonísio da Silva

Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22.11.2005

 

 Portugal é uma extensa raiz que ocupa toda a obra de Álvaro Alves de faria. Portugal que se ramifica e multiplica não somente como referência toponíica ou berço familiar. Há um rio-corrente da lírica portuguesa e suas afeições ao sombrio e ao melancólico que o poeta brasileiro incorporou com rara intimidade à sua poesia. Mais que as reiteradas alusões a cidades e escritores portugueses em seus livros, o que importa  verificar é a intensidade desse jogo que alterna os estados de languidez e impetuosidade, melancolia e volúpia. Ou ainda essa variação entre ressentimento e indignação, características que são tanto da natureza do poeta quanto de sua poética. A epígrafe de Fernando Pessoa com que abre o segundo de seus livros (Tempo final, 1964) – “De repente paro… Escureceu tudo…Caio por um abismo feito de tempo” -, não é relevante apenas pelo fato de vir de um poeta português, mas pela ligação íntima que ela tem com um sentimento que Alves de Faria cultua desde o livro inicial, “Noturno Maior” (1963). Elo que se expressa através de inagenscomo “Estou voltando de meu funeral”, “Estamos segurando o tempo/ como se nossos dedos fosse pedras”, ou “É como se eu quisesse morrer”. É plenamente possível caminhar por toda a poesia deste poeta incomum e localizar o mesmo ânimo, o mesmo diálogo intenso com certas feridas existenciais, cortes aflitivos que mais se aproximam da lírica portuguesa que da tradição brasileira. Trata-se de um lirismo sobressaltado, com propensão a oscilações entre afeição pela revolta e desejo de suicídio, sem que nenhum dos casos se concretize mais do que o jogo estético de tais ímpetos. Esta poética, de efeito essencialmente noturno – naquele particular em que a noite recolhe e expande nossos extravios –, Alves de Faria a vem realizando com depuração. Há neste livro que ora se publica no Brasil uma imagem-síntese: “Não sei morrer/ sem me debater entre os móveis”. Eis um poeta marcado por aquele sentido da catástrofe existencial que lhe define a época, e que, entre seus pares, absorveu com um páthos acentuadamente melancólico. Seu aturdimento diante dos deslizes da convicção humana é fascinante, ao se tornar, ele mesmo persongem dessa aflição. Alves de Faria sabe que abre uma porta dupla, que o leva à imensidão na mesma medida em que o atola naquela precariedade sem recursos do cotidiano que habita. Não poderia escrever, sem pretensão, um verso que fosse. Possui a consciência da morte e do resplendor da existência, de tal maneira que sua poesia se ocupa da indignação da eterna desproporção entre os dois foros. Em “Sete Anos de Pastor” o que está em jogo não é apenas o reconhecimento de uma ancestralidade – como aceita a crítica – ou a indignação do poeta com a condição brasileira atual, mas, antes de tudo, a sugestão de que deixamos escapar umas intrigantes visões, que a poesia se desequilibra na medida em que se desliga de suas conexões primárias.

 Floriano Martins

 

 Em “Sete Anos de Pastor” combina-se a esplendorosa maturidade de Álvaro Alves de Faria com uma rara mestria literária. Neste livro, cuja autoria invejo com todas as forças, há um assumir do retábulo lírico camoniano no espaço da oficina deste que é um dos grandes poetas de língua portuguesa. De repente, ante a disponibilidade em tomo de respeito – nas gratas grandeza e qualidade-  da trajetória poética do Poeta Álvaro Alves de Faria, sentimos a voz vigorosa e envolvente que nos dá notícias de um homem com inequívocos foros de genialidade.

 José Viale Moutinho, poeta e escritor português

 

 (TEXTO DA EDITORA ESCRITURAS, ESCRITO PELA JORNALISTA CARMÉN BARRETO, SOBRE O LIVRO “BABEL”, DEPOIS DE OUVIR O POETA SOBRE SUA PARTICIPAÇÃO NO CENÁRIO ATUAL DA POESIA BRASILEIRA):

 Babel, o novo livro de poesia de Álvaro Alves de Faria, foi inspirado na escultura Torre de Babel, de Valdir Rocha. São 50 poemas que foram escritos a partir de 2004, quando o poeta viu a escultura pela primeira vez e escreveu um poema sobre a obra que, com o tempo, acabou transformando-se no livro agora lançado pela Escrituras Editora. Por várias vezes o poeta analisou a escultura para escrever, tendo também por base mais de cem fotografias da Torre de Babel. No final, como afirma o poeta, Babel representa um livro manifesto em relação à poesia produzida atualmente no Brasil.

 Na obra, Álvaro Alves de Faria homenageia poetas brasileiros, especialmente os de sua Geração 60 de Poetas de São Paulo, lembrando, em forma de poemas, fatos ocorridos naquela década de efervescência cultural, quando os jovens poetas reuniam-se em torno do editor Massao Ohno, que publicava os chamados “novíssimos”. Ao mesmo tempo, o poeta discorre sobre os importantes nomes da poesia brasileira, sem esquecer dos estrangeiros, fundamentais para a poesia do mundo.

 Conhecido por ser um poeta e um jornalista cultural combativo, Álvaro expõe, em 50 poemas, o que pensa da poesia e do poema, em uma terra que – como ele diz – vive de equívocos literários, descontadas as raras exceções, especialmente no que diz respeito à poesia. Ele observa que Babel, no fundo, “é seu rompimento com a poesia. Depois deste livro quero ser chamado de ex-poeta”, diz, assegurando que “não há por que persistir na poesia diante da cena literária brasileira, especialmente em relação à poesia, que mais parece um circo mambembe, daqueles que chegam a envergonhar até os palhaços de terceira categoria”.

 O poeta explica que, por este motivo, optou por publicar livros de poesia em Portugal, onde, ao seu ver, “a poesia é respeitada e levada a sério, distante da inconseqüência brasileira que, infelizmente, não atinge somente a Literatura, mas praticamente tudo”. O poeta faz questão de dizer: “Sei que a decisão de optar por ser um ex-poeta nada significará na poesia deste País, será um fato sem nenhuma importância. E é exatamente assim que tem que ser. De qualquer maneira, fugir da mediocridade é uma atitude que me deixa mais leve e mais livre”.

 

(COMO O POETA DEFINIU SEU LIVRO “BABEL” RESPONDENDO A UMA PERGUNTA DO JORNALISTA OLIVEIRA ANDRADE, DA RÁDIO JOVEM PAN DE SÃO PAULO E DA REDE JOVEM PAN-SAT, NO PROGRAMA “JORNAL DE SERVIÇOS”, NO DIA DO LANÇAMENTO DO LIVRO NA FNAC DA AVENIDA PAULISTA):

 -Babel é um livro constituído de 50 poemas inspirados numa escultura, Torre de Babel, do artista plástico Valdir Rocha. São poemas que discorrem sobre a poesia e a condição do poeta no mundo hoje, diante da negação dessa própria poesia. É o poema, a poesia contra a poesia. Parece ser uma coisa contraditória, mas é uma situação que de repente passa a existir na cabeça de um poeta que vê a negação do gesto poético diante da brutalização de quase tudo. E nessa brutalização a poesia também se nega e se exclui, como desnecessária. Tenho a impressão de que já falo como um ex-poeta vencido pela amargura de um tempo de equívocos. É isso que eu penso de meu próprio livro.  

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