Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Graça Capinha 3

"É NULO PENSAR QUE A POESIA POSSA"
Parte 3 de 3

Graça Capinha
Da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.

[Mulheres do SHOPPING, pp.13-14]

Em 20 Poemas quase Líricos e algumas Canções para Coimbra, assistimos à expansão da identidade poética, a um sincretismo estrutural de espaços e tempos distintos, a um encontro com a memória em que o passado é presente e o presente se desfaz para recomeçar o processo.

Há um reencontro com a antiguidade, também a da tradição literária (evocada nos nomes de Sá de Miranda, de Torga ou de Camões) – uma antiguidade que parece tomar posse da voz de Alves de Faria, levando-o como num transe, falando-o. A imagem de Portugal, que é a imagem cristalizada no tempo que o emigrante transporta e cujos ecos ouvíamos na poesia anterior do poeta, é agora uma imagem que se destrói, um cristal que se parte, como se diz no poema 19:

e o gesto quebra o silêncio

como se quebrasse um cristal ausente, (…)

 

[20 Poemas quase Líricos e algumas Canções para Coimbra, p.60]

 

Esta destruição da memória é também a de uma parte de si próprio, que foi finalmente encontrada e que morre, “que se despede para sempre”, como podemos ler no final de outro poema (11., p.44). Mas é nesta destruição que reside a possibilidade da nova criação, a possibilidade de um novo recomeço da linguagem da identidade poética em processo. E Álvaro Alves de Faria sabe que é esse presente permanente do futuro a construir-se que as palavras e a poesia têm que acompanhar:

 

12.

 Aos poucos me refaço,

aos poucos me refiro,

aos poucos me retiro,

aos poucos me recordo,

aos poucos

aos poucos

aos poucos me transformo

aos poucos me atrevo,

aos poucos

aos poucos

aos poucos perco o pouco

aos poucos perco o pouso

aos poucos não consigo

aos poucos

aos poucos

a poucos passos da alma

de Coimbra

a poucos momentos do rosto

de Coimbra,

aos poucos

aos poucos Coimbra acho,

a alma

mais que a alma

aos poucos Coimbra mostra

aos poucos

aos poucos Coimbra nasce

e se acrescenta

e se faz

e se deslumbra

e se encanta

aos poucos Coimbra está,

aos poucos

aos poucos

aos poucos Coimbra é

no seu espaço

largo mais que a praça

que nunca se esquecerá.

 

[20 Poemas quase Líricos e algumas Canções para Coimbra. Coimbra: Editora A Mar Arte, 1999, pp.46-47]

             Jun.99

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