Homenagem ao Poeta
Que seja talvez diante do rio
da aldeia de Fernando Pessoa
do lado esquerdo de mim.
Desde que conheci, fui apaixonado pela história de Pedro e Inês de Castro. Tenho publicado em Portugal um livro chamado “Inês”, que foi lançado na Quinta das Lágrimas, junto à Fonte dos Amores, com um recital de poesia pelos poetas da Oficina de Poesia da Universidade de Coimbra.
Nesse livro eu tomei o lugar de Pedro, o príncipe de Portugal, que fala o tempo todo com Inês morta, com sua dor, tudo escrito com a linguagem do Português de Portugal, especialmente camoniana, na segunda pessoa do plural. É esse mergulho na poesia portuguesa que me refiro, porque vou lá dentro buscar as palavras de um Portugal que pulsa em mim, na história de meus antepassados, nessa reminiscência que vive em mim todos os dias.
Leio agora um poema de Inês, para dar a idéia dessa paisagem que fui buscar na poesia de um país que vive na minha alma.
Voltai se for preciso
e andai
nos versos dos poetas, Inês.
Assim estareis sempre presente,
como se não tivesse havido
tal sobressalto
que a vós findou a existência.
Como se fosse, Inês,
vossa vida a pairar sobre os castelos
pelo tempo que não termina.
Andai, Inês,
pelos campos de Portugal,
e acordai em mim, na minha sina,
o que de vós me resta em minha volta,
o entardecer que já não sinto,
senão a noite que não finda
por vosso desalento.
Chegai, Inês, a mim no que me reservo
em vossa volta a colher as folhas do chão,
como se me fosse vos aguardar
à beira dos rios a molhar os pés.
Tanta dor aguardo, no entanto,
por vos ver silenciar um beijo à face,
tal murmúrio do vento que vos acalenta,
morto sentimento que me assalta,
que vos traz de volta e vos ausenta.
Então, depois deste poema a Inês de Castro, eu quero resumir Portugal com minha lembrança em Coimbra, nas águas do Mondego, nos poetas, nas cores de da cidade, nas ruas estreitas que me trazem a vida de volta, como escreveu Graça Capinha, a memória da memória. Tento resumir essa fotografia sentimental de Portugal num poema para Coimbra, como se falasse a tanta gente, como costuma dizer Florbela Espanca. Falar a toda gente.
Entro pela Porta Férrea
e atrás de mim vejo Coimbra
a nascer sentimentos,
um poema de dor
me corta ao meio,
como se de mim estivesse se desfazendo,
por meus dedos medievais.
Em minha cabeça o casario
e os becos escondidos,
a paixão que não sei,
escadas de séculos
na paisagem de pedra,
estas portas,
este igreja de Santa Cruz,
o rosto renascentista
deste homem que caminha só,
estas capas em meu silêncio,
São Tiago há de seguir-me
por estes largos distantes,
há de seguir-me Santa Isabel,
com meu manto de rainha,
há de seguir-me D. Afonso Henriques,
há de entrar comigo no Convento de Santa Cruz,
há de seguir-me por estas igrejas,
há de levar-me à Praça do Comércio,
e comigo há de subir os degraus da Sé Velha,
há de seguir-me o rio,
há de levar-me para sempre,
onde repousam as águas e as chuvas,
há de falar-me o Mondego suas palavras,
seus espelhos de reis,
mulheres que nunca conheci,
há de entrar comigo pelos pátios
a sombra barroca deste tempo que não cessa,
há de vir comigo à Capela de São Miguel
meu passo incerto nesta noturna paisagem de mim,
há de seguir-me minha sombra
nos olhos brancos de São Salvador,
Santo Agostinho há de dizer-me
as palavras guardadas,
há de vir comigo São Jerônimo
por todas as planícies e adros esquecidos,
há de levar-me São Marcos
por entre as trevas,
nuvens de punhais incertos,
há de estar comigo meu rosto na Capela do Sacramento,
onde repousa o olhar
e o gesto quebra o silêncio
como se quebrasse um cristal ausente,
há de seguir-me São João de Almedina
pelos caminhos que não sei,
que nunca hei de saber.
Nada mais a dizer, senão me deixar levar pelas imagens de Portugal, por essa terra que me habita e me faz ainda respirar, embora dela distante, mas com ela dentro de mim. E isso tudo eu resumo no último poema do livro “Este gosto de sal – mar português”, publicado em Portugal em fevereiro deste ano, uma viagem pelos oceanos dos descobrimentos, por esse aceno que me encanta e ainda me faz prosseguir.
De Portugal me habitam as igrejas
e a face de santos
na dor tão longa dor tão funda
que à porta do templo
os joelhos dobram nas pedras.
Além do mar, habitam-me os santos,
altares em que me misturo,
amálgama de mim em mim,
no ser que me despreza e me beija a face,
o ar que falta,
a folha que se arranca,
a raiz que permanece.
Nasceram-me as marinhas de Portugal
quando, como um poeta, olhava os pés de amoras,
vieram depois as águas de um tempo incerto,
paralisado para sempre em suas horas.
Nasceram-me assim essas marinhas
que em mim renasce o que me resta da poesia,
o mar português em um poema
como a viver a vida toda num só dia.
Quero um cravo vermelho na lapela, tão vermelho como o sangue dos que são dão ao brilho do sol em favor do outro.
O vermelho dos homens que não se traem.
Dos homens que não traem o povo.
O Brasil é um ferida que tenho no peito.
Uma ferida aberta, que sangra, sangra, sangra, sangra, sangra, sangra.