Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Homenagem/Portugal

Homenagem ao Poeta

O poeta Álvaro Alves de Faria foi homenageado pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo – presidido por Antonio de Almeida e Silva – em solenidade realizada no Auditório Juscelino Kubitschek, da Assembléia Legislativa do Estado, no dia 7 de junho de 2010. A cerimônia fez parte das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, celebrado a 10 de junho. O poeta foi homenageado por sua contribuição à cultura luso-brasileira, à qual tem se dedicado nos últimos anos, participando de eventos culturais e publicando seus livros em Portugal. O poeta foi o orador da noite, discorrendo sobre de sua relação com a cultura portuguesa, especialmente na área da Poesia. Os trabalhos na Assembléia Legislativa foram presididos pelo deputado Fernando Capez. A cerimônia contou com a presença do cônsul-geral de Portugal em São Paulo, José Guilherme Queiroz de Ataíde; do cônsul de Cabo Verde, Agnaldo Rocha; do ex-senador e secretário de Estado, Almino Afonso, que representava o governador de São Paulo, e de várias outras personalidades, além de grupos ligados à comunidade portuguesa, como o “Dragão 7”, que interpretou a morte de Inês de Castro ; e “Ao pé da letra”, que declamou poemas de Camões.

A seguir, o discurso feito pelo poeta Álvaro Alves de Faria na ocasião.

Minha relação com Portugal vem desde criança

Ser homenageado pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, é para mim motivo de um orgulho que sempre fará parte de minha vida, pelo significado desta cerimônia e pelo que Portugal representa em minha existência.

Minha relação com Portugal vem desde criança, porque sou filho de pais portugueses, minha mãe de Anadia e meu pai de Angola. Passei a infância ouvindo programas portugueses no rádio de minha casa.

Sem conhecer Portugal, na adolescência, cheguei a escrever poemas sobre o país. Mas essa relação literária e principalmente espiritual se acentuou quando fui representar o Brasil, em 1998, no Terceiro Encontro Internacional de Poetas, na Universidade de Coimbra.

Daí em diante descobri minha verdadeira identidade como gente e como poeta. Passei a publicar livros de poemas em Portugal e a ser convidado para eventos culturais.

O primeiro livro escrito com a linguagem da poesia portuguesa foi “20 poemas quase líricos e algumas canções para Coimbra”, publicado em Portugal em 1999. Foram ao todo, até agora, oito livros.

Passei, então, a me chamar de poeta português e tornei isso público em algumas entrevistas, criando muita polêmica. Mas sou mesmo, hoje, um poeta português, porque fui a Portugal buscar a poesia que me falta no Brasil, onde tudo, infelizmente, está sendo medido por baixo, a começar por um jornalismo cultural inconsequente, que gosta de enaltecer mediocridades.

Em Portugal conheci a verdadeira dimensão da poesia. Está lá toda minha antecedência. Estão lá todas as minhas palavras. Minha ligação com Portugal, hoje, é de um filho que sempre retorna à casa.

Viajo sempre para Portugal, especialmente para lançar livros, fazer leituras de poemas e participar de eventos culturais. Basta lembrar que nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, organizei uma antologia de poesia brasileira, que foi elogiada pelo então presidente Jorge Sampaio, num programa da RTP, mostrando o livro para o telespectador.

Tudo que existe em Portugal me comove como pessoa e como poeta. Aquela raiz profunda de minha vida, lá plantada com a força da existência.

Neste ano, na Bienal Internacional do Livro em São Paulo, haverá o lançamento de meus oito livros publicados em Portugal, reunidos num único volume pela Editora Escrituras, que terá o título “Alma Gentil: Raízes”, título dado pela escritora e crítica literária Nelly Novaes Coelho, Doutora em Letras, Livre-Docente e Titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Esse livro representa um documento de minha vida como poeta que foi a Portugal buscar a poesia ainda possível num mundo destruído.

Como isso, quero dizer que minha ligação com Portugal foge unicamente à literatura. Vai muito além. Toda minha família, por parte de minha mãe, que hoje tem 95 anos, vive em Anadia, outra parte em Póvoa do Varzim e outra no Porto.

Essa descoberta em minha vida devo à professora doutora Graça Capinha, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que sempre faz a apresentação de meus livros em Portugal.

Quando eu tinha 13 anos de idade, numa viagem que minha mãe fez a Portugal, ao regressar ela me trouxe um pôster de Florbela Espanca, com o soneto “Amar!”, que guardo até hoje na parede de minha biblioteca.

Eu tinha escrito meu primeiro poema com 11 anos de idade. Nem minha mãe nunca soube me dizer porque me trouxe o retrato de Florbela. Mas isso não precisa ser explicado. Há coisas que não se explicam.

Quando morreu a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen, eu estava em Lisboa. Vi a notícia na televisão. Passei, então, a escrever um poema para ela. Escrevi o dia inteiro, em todo lugar que estive. Na verdade, escrevi num único dia o “Livro de Sophia”, publicado em Portugal em 2008.

A quarta-capa foi assinada pelo poeta Affonso de Romano Sant´Anna. Ele escreveu: “Álvaro Alves de Faria, pelo seu lirismo, talvez seja o mais português dos poetas brasileiros”. Eu tenho orgulho disso.

Gostaria que aqui estivesse meu pai, ele que tanto amava sua terra e sempre dela me falava com uma singeleza que só hoje compreendo. Mas quando estou em Portugal, sempre vejo meu pai em algum lugar, a me observar e me a acompanhar, ele que já se foi há tanto tempo, quando fechei seus olhos num dia de Outono em que chovia.

Não há nada que eu não conheça em Portugal, por onde quer que eu ande. Tudo me é conhecido, as pedras, os azulejos, as paredes, as ruas, as placas, a poesia, sobretudo a poesia e a música e cores que saltam de todas as coisas.

Eu sempre fui um jornalista combativo, desde o início de minha carreira, comportamento que me causou muitos dissabores, especialmente no regime militar, como poeta e também como homem de imprensa.

E é assim combativo que fui buscar em Portugal a poesia que me falta no Brasil, um pais feito de desencantamentos, onde vale a lei do mais forte, infelizmente, a lei dos que mandam, dos que detém o poder e fazem o que bem entendem dos destinos.

Estou dizendo isso como cidadão e também poeta que ainda sou, numa casa de leis, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. E faço questão de dizê-lo aqui dentro, para que fique marcado pelo menos na minha memória a palavra que ainda consigo guardar no coração.

Eu vou ler um poema que faz parte de meu livro “A Memória do Pai”, publicado em Portugal em 2006.

Nestas viagens pelos mapas dos navegadores
Portugal é mais que a distância de um oceano pai
como se estivesse a partir sempre
a buscar-me por nunca saber-me encontrar.

Os poetas portugueses falam em mim
a canção dessa poesia que me fere
e ao mesmo tempo me contempla.

Caminho noites antigas
e neste instante partem de mim aves noturnas
que não voltarão mais a este porto
as ruas de Lisboa
e esta igreja em que me deixo ficar
numa escada de Coimbra.
onde dormem meus poucos segredos.

À mesa pai
conto as ovelhas no campo
como se a dizer-me um poema
de Antero de Quental
que tantas vezes me fez viver.

Saltam da minha pele
um rosto de louça na imagem de Deus
a percorrer altares
que calam os retratos nas paredes.

É bom saber que existe no mundo
um país chamado Portugal
onde se debruça a vida numa roupa à janela
como se a vestir as casas
com a camisa branca de um domingo.

Que seja diante do mar
quando me for morrer para sempre
ou talvez junto do Mondego
a olhar a ponte de Santa Clara
onde contigo pai
falei com o musgo das margens
a observar à noite duas Coimbras
uma de luz
a subir pelos telhados das casas
e outra no rio
a mergulhar para dentro das águas.

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