Poeta
Álvaro
Alves
de Faria

Canal do poeta

Idanha 2

DISCURSO DO POETA FEITO EM TODOS OS LANÇAMENTOS DO LIVRO EM PORTUGAL, COM ALGUMAS MODIFICAÇÕES CONFORME O LOCAL DO EVENTO.

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(EM TEMPO: MEUS LEITORES SABEM O QUE EU PENSO E POR ISSO ESSES LANÇAMENTOS SÃO TAMBÉM UM ATO POLÍTICO QUE FAREI QUESTÃO SEMPRE REPETIR)

Eu quero agradeder a Graça Capinha, que sempre esteve presente, desde o primeiro momento, em 1998, ao convidar-me para participar do Terceiro Encontro Internacional de Poetas, na Universidade de Coimbra.

De maneira especial, agradeço ainda, ao meu editor Xavier Zarco, da Editora Temas Originais, camarada de primeira ordem, que desde o meu primeiro livro por sua editora tem me dado o respaldo necessário do que se chama confiança numa poesia que há décadas se debate comigo.

Tenho a poesia como manifestação de fé. E na poesia não sei fazer concessões às facilidades. Faço concessão a vida, ao futuro, ao que existe, ao gesto de solidariedade, a essa luta de todos os dias que ao mesmo tempo em que fascina também me fere.

A poesia é uma ferida aberta em meu peito. Do tamanho de meu país. Uma ferida que se abriu já na infância e nunca mais se fechou, por onde sangram as palavras, os poemas que se fazem nascer na necessidade de afirmar a própria existência.

E sendo para mim uma manifestação de fé, é também meu aceno mais limpo em relação às coisas e ao mundo. Em relação às pessoas, aos moradores das ruas, às crianças sem teto, os que se machucaram para sempre, aos que choram nos becos sem saída, a todas as minorias quase sempre ignoradas pelo poder.

Minha poesia se aninha na floresta, nas asas das aves, do aceno das mulheres, dos homens, das crianças, dos velhos, dos animais, das plantas, em tudo, enfim, que está sendo destruído aos poucos, sem que se perceba. E quando se percebe, a palavra nos é negada.

A poesia é meu grito mais intenso e mais dolorido também. Porque dói, a poesia dói, sempre doerá. Não há poesia sem dor. Nunca haverá poesia sem dor. Por isso as palavras são cortes profundos feitos a faca, o punhal dentro do coração e essa espada que decepa o brilho da alma.

Mas nem tudo está perdido. Porque a poesia também é a última luz. É também o silêncio e a ausência, mas sempre será o gesto generoso para tornar o mundo melhor, um mundo que seja igual para todos, que seja de todos, o pão e o vinho, o que haverá sempre de ser.

Eu venho de um país que se perdeu. Só quem está lá e sente na carne a desonestidade reinante pode dizer de uma certa amargura que a mim, particularmente, tem uma repercussão intensa na minha intimidade.

Eu não devia usar palavras sóbrias e até poéticas para falar de assunto de tal aridez. É que eu tenho medo de mim, das minhas palavras.

A amargura começa com as notícias diárias de corrupção deslavada, descarada, criminosa e mais adjetivos que caibam aqui. Sempre as mesmas figuras. Sempre as mesmas figuras dando ordens.

Quando houve a oportunidade de mudar, as pessoas encarregadas dessa mudança traíram a própria vida e a biografia escrita por anos seguidos, ao longo de um tempo bárbaro, de violência, de sangue, tortura e morte.

Traíram a vida, porque o objetivo era o poder, não a redemocratização. Chegou-se a um ponto que figuras notórias do Brasil, que de alguma maneira participaram da luta pela redemocratização, contra a ditadura, estão agora apresentando a conta ao Governo eleito democraticamente pelo voto do povo.

Milhares deles, muitos conhecidíssimos dentro da vida brasileira. Quer dizer: foi a ideologia do investimento ou o investimento da ideologia.

Essas figuras nefastas estão recebendo indenizações milionárias e salários escandalosos até o fim da vida.

Essa falta de ética e de vergonha na cara atinge todos os setores da vida nacional. Eu repito: todos os setores da vida nacional. E nisso se incluiu as Artes e, particularmente, a Literatura e mais particularmente ainda a Poesia.

Por isso eu vim buscar em Portugal a poesia que me falta no Brasil. O Brasil é um país de muitos poetas, mas de pouca poesia. Um jornalismo cultural que causa náuseas, desonesto, mentiroso, assexuado.

Caro que não generalizo. Há excelentes poetas no Brasil, mas estes preferem, de alguma maneira, isolar-se, ficar distante dessa festa de todos dias, de uma mediocridade que assusta, porque hoje a mediocridade é a identidade mais perfeita de meu país.

Estas coisas eu falo lá, não estou dizendo distante não. Falo lá. Cheguei a um ponto em que posso falar, é a única coisa que me resta. Falar até explodir. Houve um tempo em que fui proibido de falar e escrever. E podem ter certeza: esse tempo está voltando ao Brasil, infelizmente está voltando. Está sendo construído aos poucos, passo a passo, como num jogo de xadrez que já tem o vencedor escolhido.

As tentativas de censura são muitas. Muitas. Mas a sociedade já está vacinada. A mim não interessa ditadura de direita ou de esquerda. Ditador é ditador, pessoa desprezível.

O que dói é você lembrar que conviveu com pessoas que se debatiam desesperadamente contra a censura à expressão livre da palavra, à expressão do pensamento. Agora no poder, essas mesmas pessoas fazem exatamente o que combateram a vida inteira.

Eu sou um poeta, mas tenho meus pés bem fincados no chão. Bem fincados. Sou um militante da vida, minha palavra é política, até mesmo quando o lirismo é levado às últimas conseqüências.

Tenho alguns processos nas costas pelas sátiras políticas que faço na televisão. Sou processado até por ministro. É uma maravilha.

Seja lá como for, estou em Portugal mais uma vez, para esquecer por alguns momentos um mundo que se despedaça em todos os sentidos, de todos os jeitos.

Ética é uma palavra muito antiga, está fora de moda.

Três sentimentos em Idanha e outros poemas portugueses. Este livro começou a ser escrito em Idanha, as primeira palavras, os primeiros versos

que depois se estenderam com a dor brasileira, aquela paisagem árida de idéias e de poesia.

Nasceu-me em Idanha a primeira palavra deste novo livro, quando vi meu pai sentando junto àquelas senhorinhas e senhores sentado à porta da casa, numa tarde de maio, quando as pedras começam a falar e a sentir mais a intensidade das coisas.

Desde então, Idanha vive em mim, algo assim como uma alma que se acrescenta a outra alma, as pessoas antepassadas que me pertencem, que fazem parte de minha história, aquela que nem eu mesmo conheço. Não conheço mais sinto. Essa Idanha que me escorre como um rio, nos olhos brilhantes da Senhora do Almortão, desse pequeno poema que me ficou costurado à pele: “Senhora do Almortão/ Para lá vou eu agora/ O meu coração cada dia/ Minha alma a toda hora”.

Ficou-me a Beira Baixa inteira, na lasca dessa pedra em que se fez e se faz o poema. Em que sempre se fará o poema. Em que sempre o poema haverá de nascer como nascem as plantas e os pássaros.

Estou em Portugal com mais um livro que esta terra me deu, a terra de meus pais, meus velhos pais que devem estar me vendo de algum lugar do universo.

“Três sentimentos em Idanha e outros poemas portugueses” reflete um estado de alma, mas principalmente o sentimento de ainda estar no mundo.

Para terminar, eu quero ler um pequeno poema deste livro que resume tudo que sinto. Chama-se “Ponte 25 de abril”.

Quando, em setembro,
ao atirar-me às águas do Tejo,
de cima da ponte 25 de Abril,
em meu coração
pensava matar-me.

No entanto,
passei a respirar melhor
e a sonhar
todos os sonhos do mundo.

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Assim, Idanha, o caminho por caminhar, onde começou este livro com três sentimentos, meu universo junto aos meus pais, a terra sempre a descobrir, a terra sempre a dizer, a terra sempre a se mostrar como é. A Beira Baixa, o tempo de ficar com as palavras, com as pedras das palavras, com a torre das igrejas, com as cegonhas e todos os pássaros. O tempo de ficar com a poesia que marca. Silêncios que dizem tanto e a imagem é tão densa como o poema que não termina. Portugal sempre haverá de me envolver na poesia. Sempre estará presente em mim. Na minha mãe, no meu pai. O aceno que ainda me resta.

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