A MEMÓRIA DO PAI (*)
Parte 3 de 3
Manuel Ferro
Escritor e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.
E Portugal adquire aí um novo halo, uma imagem necessariamente idealizada (p.61), sem bem que moldada pelos estereótipos do viajante emigrado, que sonha com o porto de partida, com o ninho do torrão pátrio que o viu nascer, agora transfigurado pelo poder da fantasia, reforçada pela nostalgia e pela saudade sentidas. É a terra de poetas, de tardes pálidas, rios serenos e cenários pitorescos: (p.63-65).
Portugal está distante pai
como as gaivotas de que falavas
tão distantes como a vida
que por certo não viveste.
Mas sonhaste esse sonho
de ser sempre o que espera
a viver no frio das noites
o chegar da Primavera. (p.61).
Ou ainda:
Caminho noites antigas
e neste instante partem de mim aves noturnas
que não voltarão mais a este porto
as ruas de Lisboa
e esta igreja em que me deixo ficar
numa escada de Coimbra
onde dormem meus poucos segredos.
À mesa pai
conto as ovelhas no campo
como se a dizer-me um poema
de Antero de Quental
que tantas vezes me fez viver. (p.63).
Por conseguinte, como alguma vez afirmou, se Álvaro Alves de Faria recentemente se sente um poeta português a viver no Brasil, assumindo tal atitude um assinalável significado político, é uma honra e um privilégio para o leitor português, entre os quais eu me incluo, a ceder em primeira mão à sua obra e poder acompanhá-lo em momentos como este. Mais do que considerá-lo como um olhar simultaneamente íntimo e estrangeiro sobre a nossa cidade e a nossa realidade, Álvaro Alves de Faria se afirma como um poeta nosso, como alguém que tão bem capta a singularidade da nossa maneira de ser e melhor saber exprimir. Eis porque vos lanço o desafio de lerem, direi mais, de devorarem seus livros.
(*) Texto da apresentação do livro, no Teatro Gil Vicente,
em Coimbra, onde o poeta fez uma leitura de poemas.