Expliquei, nessas entrevistas, que minha voz poética se distingue na medida em que a gente procura se libertar desta angústia nacional no que diz respeito à Poesia e mergulha de cabeça nas formas poéticas verdadeiras que ainda existem. É preciso encontrá-las para que, afinal, não morra a poesia. Disse e repito que a casta intelectual brasileira é mesquinha. É preciso fugir dessa gente. Muitos agora no poder vivem das traições de todos os dias. Tudo em nome do poder. Isso é outra decepção que se fez em grande amargura.
Por vinte anos ouvi um discurso, ajudei nesse discurso, acreditei nesse discurso. Mas agora vejo que não era bem assim. O que vale é trair os próprios ideais, se é que um dia de fato existiram. Não tenho simpatia por Stálin. Tenho medo de Stálin. Tenho medo da mentira. A mentira é uma das coisas que mais me ferem como ser humano. Este é um país em que tudo apodrece, a poesia, as pessoas, a literatura, a política, a palavra, o jornalismo, a universidade.
Mas afinal e a bem da verdade, esta introdução é escrita para um livro de resenhas e de entrevista com poetas e escritores brasileiros, incluindo dois poetas portugueses. Resenhas honestas. Vou repetir: Resenhas honestas. Repito mais uma vez para que fique bem claro a alguns tolos preocupados com a vaidade própria dos idiotas: Resenhas honestas, porque não sou leviano.
A exemplo de “Palavra de Mulher” (2003), livro de perfis e entrevistas com vinte mulheres poetas e escritoras das mais significativas do Brasil, reuni neste “Pastores de Virgílio” poetas e escritores que devem merecer respeito por seu trabalho literário distante das confrarias, uns em silêncio, outros publicando na medida do possível, alguns outros em absoluto isolamento. É minha colaboração no jornalismo cultural, escrevendo para algumas publicações brasileiras que ainda se preocupam com a cultura do país. Ainda existem, felizmente. São as raríssimas exceções a que procuro sempre me referir, para não generalizar nem ser injusto.
Este é um tempo de inversão de valores, de mentiras, de leviandades. Uma história brasileira. Uma cena do Brasil. Mesmo sendo amargo em relação à produção literária brasileira atualmente, especialmente no que diz respeito à poesia, acredito na sinceridade de muitos que trabalham seus poemas, seus romances, seus contos, com absoluta honestidade. O país é um circo, é verdade, mas ainda existe gente séria.
“Pastores de Virgílio” discute essas questões aqui expostas. O livro tem essa direção no tipo de pergunta formulada aos entrevistados. Afinal, a poesia serve para quê ? O que é poesia ? O poeta e a poesia são levados a sério neste país ? E a crítica literária brasileira ? E as chamadas confrarias na literatura brasileira ? E os louvores e confetes entre amigos nos suplementos culturais ? Afinal, escrever para quê e para quem ? Neste país do faz de conta, Literatura é um produto supérfluo ? O que significa ser poeta no Brasil ? O que é a poesia produzida hoje no país ? O que é ser poeta ? E a política literária ? O homem necessita da poesia para viver ? A poesia é um sacerdócio ? Existe poesia feminina e poesia masculina ? Ainda existe lugar para a poesia ? Quem lê poesia no Brasil ? E o jogo da literatura ? E os modismos na prosa e na poesia ? E a chamada Geração 60 de poetas de São Paulo ?
Seja como for, a poesia ainda existe e haverá de existir sempre. Apesar das agressões que sofre todos os dias, tudo amparado por uma chamada mídia cultural sem compromisso com nada. Tudo em nome de grupinhos que, no fundo, cabem bem neste país destroçado, sem idéias, sem rumos, naufragado em equívocos que fazem do Brasil um país sombrio e sem destino.
Para concluir, volto à palestra que fiz na Oficina de Poesia, na Universidade de Coimbra, com o título “O Marketing contra a Poesia”. Conclui a conferência citando um pequeno poema de 12 versos que escrevi numa tarde de inverno em 1993, e que pensava nunca usá-lo mas que, hoje, faz parte de meu livro “A Palavra Áspera” (2002). Um poema, por assim dizer, pessoal, e que encontrou serventia naquela palestra em Portugal e que repito agora nesta introdução, porque remete a esse tempo de sombras e autoritarismo na chamada mídia cultural, na literatura e especialmente na poesia. Chama-se “Poesia Brasileira”:
O poema é tão pouco
que mal cabe na palavra.
Tão pouca a poesia
que mal se percebe.
Não cabe no bolso de meu paletó
o poema inútil deste momento
nem a escassa poesia
do início deste verso.
Toda a poesia brasileira
guardo numa caixa de sapatos
e ainda sobra espaço
para as coisas que não desejo mais.
ÁLBUM DE FOTOS DO LANÇAMENTO
DE “PASTORES DE VIRGÍLIO”
Fotos de Carmen Barreto