Depois do desfile pela X-9 Paulistana, fui procurado pela jornalista Vanessa Sene, do jornal “Mundo Lusíada”, para uma entrevista. Deu-me uma página, com foto e com a chamada: “Especial Literatura Brasil-Portugal”. O título da matéria do jornal “Mundo Lusíada” foi: “O mais português dos poetas brasileiros”.
A entrevista que Vanessa Sene fez comigo é a seguinte:
O MAIS PORTUGUÊS DOS
POETAS BRASILEIROS
Por Vanessa Sene
Mundo Lusíada
Ele é brasileiro, mas se auto-intitula um poeta português. Autor de mais de 50 livros, entre romances, ensaios, antologias, crônicas e poesias. Álvaro Alves de Faria já lançou oito obras em Portugal, país que representa para ele um escape quanto ao atual cenário literário brasileiro. Um destino que o permitiu “salvar” a sua poesia. “A poesia de Portugal prima pela seriedade, enquanto a poesia do Brasil é violentada todos os dias por alguns facínoras com trânsito livro na mídia cultural mentirosa”, declara.
Seus lançamentos em Portugal começaram após sua participação no Terceiro Encontro Internacional de Poetas, em Coimbra, representando o Brasil. Foi aplaudido de pé por poetas de vários países que nem entendiam o português, com a leitura do poema “Eldorado de Carajás”. Este não está em nenhum de seus livros, mas foi publicado em quatro antologias de poesia em Portugal. Foi então que Álvaro recebeu um convite e começou a publicar um livro a cada ano no país, pelas Editoras Palimage e Temas Originais.
Só lhe falta mesmo morar por lá. “Se tivesse vinte anos menos já estaria vivendo lá. Até porque toda minha família vive em Portugal, especialmente em Anadia”, afirma o dono de diversos prêmios como escritor e jornalista, e autor de obras traduzidas para diferentes línguas.
Álvaro Alves de Faria iniciou sua carreira no Jornalismo aos 18 anos, formado em Sociologia e Política e Língua e Literatura Portuguesa, com mestrado em Comunicação Social. Faz parte da Geração 60 de Poetas de São Paulo, e nessa época foi preso cinco vezes pelo Departamento de Ordem Política e Social, por declamar poemas no Viaduto do Chá, nos tempos da ditadura. Atualmente participa de aproximadamente 70 antologias de poesia e contos no Brasil e no exterior.
E foi no último mês de fevereiro que Álvaro Alves de Faria foi convidado a desfilar no Carnaval de São Paulo, integrando o carro alegórico que representava a língua portuguesa através da poesia, música e literatura, da escola X-9 Paulistana.
O Mundo Lusíada foi ouvir o poeta luso-brasileiro sobre essa experiência e sobre um futuro lançamento que acontece em junho, em São Paulo. “Alma Gentil”, pela Editora Escrituras, será o próximo livro de Álvaro, reunindo as oito obras que já foram lançadas em Portugal, num único volume, agora no Brasil.
P. Como foi para você a participação no Carnaval 2010 na X-9 Paulistana, cantando a cultura portuguesa na maior festa brasileira ?
R.Foi uma imensa alegria, já que o convite que recebi está dentro do que tracei para mim em relação à poesia. A X-9 cantou no sambódromo do Anhembi a Língua Portuguesa e eu fui convidado a sair como destaque num carro alegórico que tinha o nome “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”, o verso famoso de Fernando Pessoa. Desde que representei o Brasil no Terceiro Encontro Internacional de Poetas, na Universidade de Coimbra, deixei-me ficar em Portugal, a terra de meu pai e de minha mãe, porque descobri que a poesia que eu necessitava estava lá. Fiz minha opção poética de seguir uma trajetória dentro da poesia de Portugal, com sua grandeza, com sua beleza incomparável e, especialmente, pelo respeito que Portugal dedica aos seus poetas. Comecei, então, a publicar meus livros em Portugal, utilizando a linguagem da poesia portuguesa, a paisagem de Portugal. Assim, o convite da X-9 foi para mim uma honra e participar do desfile da Escola é uma coisa que nunca mais vou esquecer em minha vida.
P. No carro “Minha Pátria é a Língua Portuguesa” vestiu-se de Bocage. Sua inspiração para ele veio mesmo através de uma minissérie da RTP ?
R.Veio sim. Eu havia assistido há algum tempo essa minissérie sobre a vida de Bocage, um poeta que eu admiro muito e que, no Brasil, infelizmente, é mais conhecido e citado por coisas que nada têm a ver com sua poesia. Lembrei-me, então, do vestuário utilizado na minissérie e particularmente como se vestia Bocage. Fui então à loja de fantasia da X-9 e compus minha roupa tendo por base as imagens da minissérie da RTP.
P.Apesar de brasileiro, você pede licença para se intitular “poeta português”. É mais por indignação pelo Brasil ou mais por amor a Portugal ?
R. São as duas coisas juntas. O Brasil me cansou, infelizmente. Cansei de tantas manobras. Cansei de tantos discursos. Cansei de tantas mentiras. Cansei. E no caso particular, a mentira em relação à literatura, à poesia. Aqui neste país, de suplementos culturais medíocres, inventam-se “poetas” do dia para e noite, “poetas” que também desaparecem da noite para o dia. A louvação à mediocridade nos suplementos culturais brasileiros, especialmente no famigerado eixo Rio-São Paulo, é vergonhosa, representa uma afronta aos que ainda conseguem pensar neste país sem saída, de conversa fácil e mazelas de todos os tipos. Fui sim para Portugal em busca da poesia que não existe mais no Brasil. Considero-me um poeta português. Basta dizer que dos meus 10 últimos livros publicados nos últimos anos, oito saíram em Portugal. E é bom saber que existe no mundo um país chamado Portugal, a terra de meus pais, onde fui buscar minha antecedência e “a memória de minha memória”, no dizer da ensaísta Graça Capinha, da Universidade de Coimbra, que fez a apresentação de quase todos meus livros publicados em Portugal. Minha vida está em Portugal. Minha poesia está em Portugal. Do Brasil quero distância e nisso vai muita indignação, sim. Nada valeu a pena. É duro perceber que o discurso de tantos anos se transformou apenas numa grande mentira que hoje toma conta de todos os setores da vida brasileira.
P.Depois de oito lançamentos em Portugal, como vê a abertura e a recepção à literatura contemporânea pelos portugueses ? E em comparação com o Brasil ?
R.A minha trajetória em Portugal é pessoal. Sou um poeta da Geração 60 de poetas brasileiros, mas nunca fiz parte de grupos. Claro, somos todos amigos, os poetas que considero poetas de verdade, especialmente os das Geração 60 de São Paulo. Mas, por exemplo, os recitais que realizei no Viaduto do Chá, lendo o meu livro “O Sermão do Viaduto”, com microfone e alto-falantes foi uma atitude minha, individual. Fui preso por subversão. O Sermão foi proibido. Quero dizer com isso que sigo um caminho próprio dentro da poesia brasileira. Não quer dizer que seja inimigo de todo mundo. Não. Mas não faço parte de grupinhos, essa praga que destrói toda a arte. Quanto à recepção de minha poesia em Portugal cito apenas, como exemplo, a Oficina de Poesia da Universidade de Coimbra, dirigida por Graça Capinha, poetas que sempre estão presentes no meus lançamentos lá. Já participei de leituras de poemas ao lado de Vasco Graça Moura, Nuno Júdice e Ana Luisa Amaral. Isso ocorreu nas comemorações dos 800 anos de Idanha-a-Nova. Participo de muitas antologias de poesia publicadas em Portugal. Sempre sou citado em algum lugar. Para mim é o bastante. Quanto ao Brasil minha trajetória poética vem desde a adolescência e sempre tive o respeito que julgo merecer. O meu problema é com certos movimentos “poéticos” que dominaram tudo, desde o jornalismo até as universidades. Isso não é justo, nem democrático. A mediocridade cansa.
P. É uma afirmação bastante dura…
R. Mas posso fazê-la especialmente no que diz respeito ao jornalismo cultural. Para não estender, lembro apenas que recebi por duas vezes do Prêmio Jabuti de Imprensa e por três vezes o Prêmio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo meu trabalho em favor do Livro em jornais, revistas, rádio e televisão. A vida inteira. Agora o que existe são trocas de favores inaceitável num país que deseja ser sério.
P. Os portugueses fazem qualquer distinção de sua obra ou pessoa, como brasileiro?
R. Poucas vezes na vida fui tão bem tratado como sou em Portugal, como pessoa ou como poeta. Prefiro lembrar aqui o que escreveu sobre mim o poeta Affonso Romano de Sant´Anna, referindo-se ao “Livro de Sophia”, que escrevi em Lisboa no dia em que Sophia de Mello Breyner Andresen morreu. Affonso Romano escreveu: “Álvaro Alves de Faria, pelo seu lirismo, talvez seja o mais português dos poetas brasileiros”. Essa declaração será colocada no livro “Alma Gentil/Raízes”, que será lançado ainda este ano, pela Editora Escrituras, reunindo meus oito livros publicados em Portugal.
P. Você declarou: “Fui buscar na poesia portuguesa o que me falta aqui”. O que possível encontrar lá ? Cogita morar em Portugal ?
R. Se tivesse vinte anos menos já estaria vivendo lá. Até porque toda minha família vive em Portugal, especialmente em Anadia. Quanto à Poesia, fui a Portugal buscar o que deixou de existir no Brasil. A poesia brasileira foi esmagada por uma mediocridade que dá medo, que assusta, pela festividade, pela falta de cultura mesmo, pela falta de respeito com a própria poesia. E é exatamente aí que entra o jornalismo cultural brasileiro, que perdeu o rumo faz tempo, enaltecendo o que de pior existe na literatura. Em Portugal encontrei respeito pela poesia e pela figura do poeta.
P. Quais são, para você, os grandes nomes da poesia portuguesa?
R. Seria injusto fazer aqui uma relação de nomes dos grandes poetas portugueses. Não conseguiria, tal a riqueza dessa poesia. Cito, então, apenas um, Fernando Pessoa, que foi o principal poeta que guiou a Geração 60 de Poetas de São Paulo. Em Fernando Pessoa está tudo. Toda a poesia.